Portugal está obrigado a criar campos de refugiados para ter como responder a um fluxo inesperado de migrantes, como tem acontecido na Grécia ou em Itália. É uma obrigação europeia e uma das responsabilidades da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras da PSP, que entra quinta-feira em funções.
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Portugal tem menos de 90 lugares para instalar migrantes em situação irregular. A Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras da PSP espera conseguir a saída voluntária dos imigrantes notificados, o problema é que esta também depende do acordo dos países de origem e, por isso, o processo pode ser mais demorado. A possibilidade de criar campos fará com que Portugal não precise de recorrer a países terceiros para receber os migrantes ilegais, como fez Itália.
Em entrevista à TSF, João Ribeiro, diretor nacional-adjunto da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras Aeroportuária, a que pertence à Unidade de Estrangeiros e Fronteiras da PSP, afirma que o objetivo é ter 300 lugares nos centros de instalação temporária do Porto e Lisboa e ainda ter "capacidade para montar campos para outras 300 pessoas".
Leia a entrevista na íntegra
A Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras da PSP entra em funções esta quinta-feira. Em que vai consistir?
Este rol de competências que estão aqui na lei, aprovada em 22 de julho e que criou a unidade, pode ser agrupado em cinco áreas. O controlo de fronteiras, em que temos aqui um conjunto de competências. Depois, um aspecto muito importante, tem a ver com todo o processo de retorno, afastamento, disposição judicial, retorno voluntário e readmissão. Eram competências nas quais existe a maior transferência de competências que estava no âmbito da decisão da AIMA. Com esta lei, a partir da manhã, essas decisões competem ao diretor-nacional da PSP.
Temos depois uma questionária que tem a ver com a fiscalização da permanência de cidadãos de países terceiros em território nacional que possam eventualmente estar em situação irregular. Depois um aspecto que está associado ao controle de fronteiras e que é a segurança aeroportuária, que a nova lei designa por segurança pública da aviação civil.
Teremos ainda um último aspecto, que fundamentalmente o que estas novas competências vêm reforçar é cooperação e intervenção no âmbito de projeção de oficiais de ligação para embaixadas. Temos um conjunto de embaixadas que têm manifestado esse interesse, e também, portanto, participação naquilo que é a definição das posições nacionais em matéria de imigração e fronteiras.
Vamos só aqui enunciar as principais linhas. Vão ficar com os processos de expulsão, por exemplo, das pessoas que sejam consideradas ilegais. Portanto, depois da decisão judicial, que serão convidadas a sair e se não o fizerem serão expulsas. Lembro-me que aqui há não muito tempo o governo admitiu que havia 40 mil cidadãos estrangeiros ilegais para expulsar. Como é que se faz uma coisa destas?
Fundamentalmente, aqui olhando para o conhecimento que já temos de uma amostra dos processos, estamos a falar de cidadãos que já estão há vários anos em Portugal e no âmbito dos respectivos processos de localização, obtenção de autorizações de residência, portanto, os processos ficaram desertos, ou a decisão foi de não admissibilidade de permissão de autorização de residência. Neste caso o que acontece e aquilo o que estamos a promover é o retorno voluntário, até porque é um processo bastante simples, que envolve a Frontex ou outras entidades, em que as pessoas são apoiadas em operações pós-retorno, no sentido de poderem iniciar um negócio ou qualquer outra atividade nesse sentido.
Levam um cheque, digamos.
O cheque é entregue quando chegarem lá. A grande aposta, até porque em termos práticos é aquela que tem um carisma mais humanista, é incentivar o retorno voluntário.
E o valor do cheque é fixo ou depende das situações?
O valor do cheque, atualmente no espaço da União Europeia, estamos a falar que é dado um incentivo de 2500 euros às pessoas e é paga também a viagem relativamente ao país de origem.
É o tal incentivo ao retorno voluntário, mas e quando isso não acontecer?
Quando isso não acontece, entramos então num processo de afastamento coercivo. Os processos de afastamento coercivo podem aqui ter duas origens. Ou tem um foro criminale é uma expulsão judicial que determina o afastamento desse cidadão do nosso território nacional, ou decorre de se encontrar em situação irregular, em que nesse caso é um processo administrativo, que a partir da manhã competirá ao diretor-nacional da PSP. Eessa pessoa, uma vez que não quis se afastar voluntariamente, nesses casos é acompanhada, é feita uma avaliação do risco e é acompanhada por uma escolta até ao avião ou até ao destino em fase da avaliação do risco. De qualquer das formas, aquilo que tentamos promover, não só por ser uma vertente mais humanista, é o afastamento voluntário, mas sempre que seja necessário fazer um afastamento coercivo, ele será executado e as escoltas que sejam necessárias fazer-se serão efetuadas.
Relativamente às 40 mil pessoas, é um número potencial. Já há um conjunto de cidadãos que foram notificados no âmbito desse processo por parte da AIMA, sendo que aqueles que estamos a encontrar foram notificados para abandono voluntário num prazo de 20 dias, não o fizeram, portanto o que nós estamos a fazer é que sejam presentes a juiz para validar a detenção e iniciarmos então o processo de afastamento.
Os 20 dias começam a funcionar a partir da manhã?
Não, muitas das notificações efetuadas pela AIMA ocorreram no mês de junho. É um processo que tem-se verificado ao longo destes últimos meses.
Imagino que há já um grupo substancial de pessoas nessa situação de pré-expulsão.
Sim. Estamos a falar de pessoas de uma determinada região do globo: subcontinente indiano, que envolve ali um conjunto de países - Bangladesh, India, Nepal, Paquistão. Muitos deles, embora tenham apresentado a manifestação de interesse ou iniciaram o processo relativamente à sua autorização da residência, estão neste momento em situação irregular no território nacional, ou porque não apresentaram os documentos que foram solicitados à altura pela AIMA, ou simplesmente não responderam às notificações de comparencia ou da apresentação de documentos, ou fazer prova de documentos que tivessem apresentado.
Mas não são esses os 40 mil?
Não, o que eu estava a referir é um número muito substancial. Estamos a falar de uma estimativa que ultrapassa 70% do número de afastamentos que serão para ser efetuados.
30 mil, por aí?
Sim, estimados. De qualquer das formas é assim, estes números têm por base aquilo que nós já conhecemos e há mostragem que fazemos, resumimos, portanto tem aqui um grau de confiança quanto ao número total. O resto é essencialmente para a África, um conjunto de países africanos e também para a América do Sul.
Eu presumo que estas pessoas são as que já estão identificadas e notificadas em processo. Portanto, estas pessoas estão a fazer a sua vida ou estão a ser encaminhadas para centros de detenção, algo que eu imagino que é completamente impossível porque não haverá tal capacidade, não é?
Sim, isso é uma gestão inteligente que nós estamos a fazer, até porque a capacidade atual é limitada e daí a decisão política é que foi tomada de construir dois novos centros de instalação temporária, um na Área Metropolitana do Norte e outro na Área Metropolitana de Lisboa, com capacidade conjunta para 300 pessoas. Neste momento o que fazemos é uma gestão inteligente, portanto de acordo, porque um afastamento coercivo tem aqui duas partes. É a nossa iniciativa, a nossa decisão de afastar a pessoa e também da parte do país de origem a sua aceitação. Quando estamos perante, por exemplo, cidadãos que fizeram desembarco na costa Algarvia.
Teria de haver da parte do Reino de Marrocos uma autorização para receber estas pessoas de volta?
Sim, até porque neste caso eles não podem estar a entrar, a sair de Portugal e a entrar no país de destino sem que estejam documentados.
Ou são emitidos documentos, ou seja, estamos perante uma situação em que é alegadamente o cidadão que tem essa nacionalidade e há documentos que permitem a viagem emitidos pelas embaixadas ou consulados existentes em Portugal relativamente a esses países.
Portanto, não é uma questão de os pôr num avião e com destino marcado?
Não, portanto, nós temos todo o acervo relativamente ao Código de Fronteiras de Schengen e todo o nosso quadro legal relativamente a cidadãos estrangeiros, portanto tem garantias, está sujeito ao princípio da validade, uma visão humanista e respeito pelos direitos humanos e é nesse quadro e com essas balizas que atuamos quando se trata de afastar cidadãos em situação irregular em Portugal.
Não é nada semelhante com aquilo que tem estado a acontecer, por exemplo, nos Estados Unidos. E aqui, Sr. Superintendente, neste caso, quando o país de origem ou presumivelmente de origem não reconhece ou não quer receber de volta estes imigrantes indocumentados, ficam como numa espécie de um limbo?
Sim, embora o quadro legal também prevê soluções para essa situação. Se a pessoa pediu proteção internacional, embora possamos considerar que é apátrida, está sujeito à proteção também do Estado português e toda a União Europeia, isso será sempre documentado em termos daquilo que representa a sua identidade.
Estamos a falar aqui de um processo muito, além de delicado, muito moroso e de desfecho imprevisível. Isto a concretizar o vosso trabalho dentro das decisões do Governo, há aqui um volume de trabalho incrível.
Sim, embora o volume não nos assuste em termos de quantidade. Nós tínhamos a consciência dos desafios que se colocavam e o que tentamos aqui ter é uma abordagem que seja mais eficiente e eficaz. Por exemplo, recentemente no subcontinente indiano com um dos países, estouramos aqui um memorando de entendimento em que quando nós solicitamos o apoio dessas autoridades em 48 horas garantem-nos resposta. Acabam por ser processos bastante rápidos e bastante simplificados.
Parece o processo mais eficaz.
Nestes casos, relativamente aos países que sabemos que são processos longos, tentamos, por via diplomática, estabelecer protocolos de entendimento no sentido de facilitar o afastamento e a reintegração dessas mesmas pessoas nesses países. Há muitos países no mundo e cidadãos de alguns países que aguardam meses por decisão das respectivas autoridades para emitirem documentos de viagem, ou para aceitarem o retorno desses membros cidadãos para esses países.
Dizia ainda agora que a nossa capacidade em termos de centros de instalação temporária é limitada. O caso mais recente de Vila do Bispo, a própria autarquia admitiu que não tinha condições para instalar estas pessoas, e falamos de dezenas, quando olhamos a seguir para um universo de dezenas de milhares, que é isso que se trata, portanto, nesta altura, há o certo que capacidade é que temos?
Estamos a falar do centro de instalação temporária que é a unidade habitacional de Santo António no Porto, e também os outros centros, que são centros equiparados ao espaço, equiparados a centros que existem nos aeroportos internacionais, maiormente Lisboa, Porto e Faro. A capacidade conjunta com separação por género, e também tendo especial atenção às famílias e a menores. A capacidade total conjunta neste momento é inferior a 90 pessoas que podemos ter em situação instalada.
E como alguém que está prestes a assumir esta responsabilidade de gerir todas estas pessoas, parece-lhe que seria conveniente pensar em criar centros maiores, ou acha que dá para ir lidando com a situação?
A aposta é termos os dois centros o mais rapidamente possível instalados, até porque é financiamento PRR e terão que estar concluídos até agosto de 2026, se não estou em erro. Mas até lá o que procuramos fazer é de certa forma o caso que aconteceu. A primeira instalação foi no âmbito do acionamento do plano de contingência, por parte da GNR, que teve o apoio da Câmara Municipal e todo um conjunto de outras entidades envolvidas. Como se tratou de um desembarque ilegal, ou seja, uma entrada irregular em território nacional, obviamente foram presentes os juízes para a validação da detenção dos mermos por parte da GNR, que determinou a instalação em centros de instalação temporária e foram todos instalados e distribuídos pelo país nestas unidades. Quando não temos esta capacidade total, há outros mecanismos que podemos recorrer em termos europeus, portanto, embora não esteja no nosso horizonte a recorrer a esses mesmos mecanismos de pedir a outro país do espaço Schengen a que possa alojar este cidadão em situação irregular
Como Itália fez com a Albânia, por exemplo?
Como Itália fez com a Albânia e como outros países também fizeram relativamente à sua capacidade.
Acha que não vamos precisar de chegar aí?
Espero que não, embora admitimos. No nosso horizonte, no âmbito da implementação do Pacto Europeu para as Migrações e o Asilo, uma das capacidades que Portugal terá de ter é a capacidade de montar rapidamente um campo, no caso de haver uma situação anormal de pressão na fronteira, em que pelo mínimo sejam garantidas as condições de segurança, o apoio médico, o apoio alimentar, portanto, tudo aquilo que constitui a responsabilidade do Estado, e que possamos, então, instalar essas pessoas. Portanto, instalações temporárias a que possam ser autorizadas para esse efeito. Estamos aqui a fazer uma gestão inteligente, isto é, tentamos incentivar o retorno voluntário.
Em relação a esse campo de refugiados, caso venha a ser necessário, já algum pré-entendimento sobre capacidade, localização?
O projeto que se prevê, no âmbito do pacto e o que ficou acordado entre a PSP e a GNR, é termos capacidade para montar campos para 300 pessoas. No nosso caso, o projeto baseia-se fundamentalmente em alguns modelos que são utilizados, nomeadamente pelas Nações Unidas, portanto, com a utilização de contentores pré-definidos que garantem alojamento, que garantem instalações sanitárias, que garantem instalações médicas e todas as outras comodidades que sejam necessárias para esse efeito. Tendo algo que é móvel, ou seja, que pode ser desmontado e montado onde seja necessário, pode ser montado no sul do país, como no norte do país, como no centro do país, ou seja, onde tivermos essa necessidade em termos de pressão de fronteira relativamente a pessoas que possam estar em situação irregular.
Em relação a esses campos, tem prazos ou vai-se aguardar que haja de facto alguma situação, se é que haverá desse afluxo inesperado?
Contamos ter essa capacidade, penso que a abertura dos procedimentos desses concursos que estão previstos para junho ou maio de 2026. Contamos a partir do momento que consigamos ter todo o material que compõe o campo, os diferentes contentores, os diferentes módulos de serviços, que ele possa ser montado rapidamente em qualquer local, em poucas horas ou em muito poucos dias, mediante a necessidade que existe.
Tudo isto seria mais fácil se as pessoas que estão ilegais aceitarem a expulsão e o tal cheque de 2500 euros, Há muita gente que já aceitou, tem números sobre isso?
Sim, portanto é uma atividade que contamos com o apoio da Frontex, temos diversos especialistas em retorno voluntário que estão a trabalhar connosco e com outras entidades também, e temos, neste momento, não estarei muito longe da realidade, entre 60 a 70 pessoas que já aceitaram recorrer ao mecanismo do retorno voluntário para os respectivos países de origem.