As Parcerias Público-Privadas (PPP) têm sido um dos temas fortes quando se fala da saúde. A ministra Marta Temido garantiu, na entrevista TSF/DN, que só em casos de exceção haverá estas parcerias.
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Um dos aspetos mais importantes quando se está a discutir o SNS tem que ver com os modelos de gestão e com alguns problemas de gestão que vão existindo. As PPP ficaram de fora da nova Lei de Bases da Saúde para serem legisladas mais tarde. Quando é que isso vai acontecer?
Num curto prazo.
Esse curto prazo é o primeiro trimestre deste ano?
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Sim. Nós temos um prazo legal para fazer essa regulamentação e ele é exatamente o primeiro trimestre deste ano.
O que é que acha que lá deve constar? As PPP na saúde são para acabar de vez ou é só, como disse o primeiro-ministro, não fazer novas, mas admite renovar as que já existem, como já a ouvi dizer?
É esse o sentido da lei, penso eu. Portanto, a regulamentação complementar da Lei de Bases da Saúde não pode, salvo melhor opinião, contrariar aquele que é o espírito do legislador, aquele que é o espírito da lei, aquela que foi a intencionalidade clara relativamente às PPP de gestão.
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Que é que podem existir, no espírito do legislador?
Penso que a intencionalidade clara é que, por regra, as PPP de gestão só serão admitidas em situações excecionais, perfeitamente identificadas como extraordinárias.
Então se é só em situações excecionais e se é esse o espírito do legislador, porque é que o Governo não quer fazer novas, admitindo que podem existir novas situações excecionais?
Porque é que diz que o Governo não quer fazer novas?
Porque o primeiro-ministro disse textualmente que este Governo não faria novas PPP na saúde.
Mas aquilo que nós claramente temos em cima da mesa é a possibilidade de renovação.
Mas isso é em relação às que já existem.
Exatamente.
E não admite que possa vir a ser necessário fazer novas?
De gestão?
Sim.
A avaliação que temos feito das PPP mostra que é um modelo que tem complexidades que são dificilmente compagináveis com o que é a evolução da atividade assistencial num contexto de SNS do tipo do nosso. De resto, não é uma conclusão específica do nosso país e há outros contextos que mostraram o mesmo resultado. Portanto, não me preocupa a questão de que a gestão seja estritamente pública.
Na verdade, os privados têm, além das PPP, 40% do mercado da saúde em Portugal. No seu ponto de vista, qual é que deve ser o papel desses privados na saúde?
Complementar, subsidiário. Nós temos um modelo de SNS onde o financiamento é por impostos; a prestação é maioritariamente pública; e a gestão é maioritariamente pública. Não vejo nenhuma contradição em essa prestação maioritariamente pública, assegurada por um SNS, poder ter recurso a prestadores privados, pontualmente, quando tal se afigure do interesse de todas as partes. É isso que fazemos com o cheque-dentista, com os cuidados continuados; quando adquirimos determinados tipos de exames ao exterior. Não vejo aqui nenhuma dificuldade. Vários países têm vários sistemas de saúde que decorrem daquilo que são opções históricas e o que a análise nos mostra é que as populações tendem a preferir aquilo que é a sua tradição cultural. Portanto, não vejo qual seja a dificuldade que nós temos com o nosso modelo.
Se tem essa posição relativamente ao papel dos privados, se o espírito do legislador é aquele que acabou de descrever, porque é que o Governo recusa fazer novas PPP na área da gestão da saúde?
Vamos lá ver, a gestão é apenas uma parte da PPP, e aquilo que nós temos tido da nossa experiência da gestão de privados em termos hospitalares tem-nos mostrado que há uma forte complexidade dos processos, que exige um forte investimento de acompanhamento, que tem uma conflitualidade associada significativa.
E que poupa dinheiro ao Estado.
Mas porque é que diz que poupa dinheiro ao Estado?
O Tribunal de Contas, uma entidade que eu presumo que não coloca em causa, acabou de descrever a PPP de Vila Franca de Xira como tendo representado uma poupança muito significativa para o Estado.
Mas não há nenhuma PPP que seja lançada se não houver uma avaliação e que fazendo o contrato com o parceiro privado, ele é mais barato - para ser claro - do que mantendo a gestão pública. O que eu estou a dizer e que disse, por exemplo, no princípio da nossa conversa a propósito de Braga, é que as regras da gestão do Estado são muitas vezes diferentes das regras do gestor privado em termos de horários, em termos de salários, e quando estamos a entrar com regras diferentes é natural que os resultados sejam diferentes. A questão que queremos colocar é: vamos regressar às 40 horas ou vamos baixar os salários dos funcionários públicos do setor da saúde?
Regressar às 35 horas foi uma decisão política deste Governo.
Mas é isso que eu estou a perguntar. Por exemplo, no Hospital de Braga, falando de um caso concreto, aquilo que nós encontrámos...
Compreendo que não pode haver uma diferença dentro do SNS e que não pode haver funcionários a trabalhar 35 horas e outros a trabalhar 40 horas.
Não é se pode ou não pode. É se nós queremos. Poder tudo pode, porque desde que as regras existam e sejam legais, poder tudo pode. A questão é se é isso que nós queremos.
Já agora, a talhe de foice, o que vai fazer com a PPP de Vila Franca de Xira?
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A opção foi a de lançar uma nova parceria. Os trâmites concursais para o lançamento de uma nova parceria implicavam uma renovação contingencial, ou seja, implicavam que o parceiro privado assegurasse o atual contrato por mais um período até esse novo concurso estar feito e o parceiro privado não se mostrou disponível.
A seguir, deixou em aberto duas possibilidades: retomar aquele hospital para o SNS, para o setor público, ou criar uma nova PPP, certo?
Ou lançar um novo concurso.
E já decidiu o que é que vai fazer?
Aquilo que se demonstrou é que não é possível, uma vez mais estamos a falar naquilo que eu estava a tentar explicitar que é a elevada complexidade e morosidade associadas até ao lançamento destes processos. Reparem, em Cascais houve uma renovação contingencial também e ainda estamos agora a acabar de preparar o novo concurso. Ou seja, estes modelos, de facto, têm ganhos nalguns aspetos, mas têm também complexidades que, normalmente, num modelo de avaliação estritamente balizado por determinados aspetos não são consideradas, mas que depois também têm de ser tidas em ponderação.
Isso ficou claro. O que não ficou claro é o que é que vai fazer com Vila Franca e com Cascais, já agora?
Vamos lá ver, em relação a Vila Franca, como disse, a opção foi perguntar ao parceiro privado se estava disponível para uma renovação e ele disse que não. Não há tempo útil para preparar um novo concurso, logo, o que está em causa é a internalização. Não havendo tempo para fazer um novo concurso, neste momento a internalização é o caminho para o Hospital de Vila Franca de Xira. É isso que está a ser preparado, à semelhança daquilo que aconteceu com Braga. Em Cascais, o parceiro privado demonstrou disponibilidade para fazer uma renovação contingencial. Está a ser preparado um novo concurso que irá ser lançado até ao final este ano que agora se inicia. Outro hospital em regime de PPP, o de Loures, já agora - antecipando a possível nova pergunta -, a decisão de renovação ou de lançamento de uma nova parceria ou de internalização tem de ser comunicada ao parceiro até dia 18 deste mês.
E o que é que vai comunicar ao parceiro?
Nós vamos primeiro comunicá-lo ao parceiro, como imaginará.
Portanto, resumindo e concluindo, no caso das PPP é uma questão ideológica e não uma questão económica pura, certo?
Errado. [Risos] Completamente errado. É uma questão de, em cada um dos casos onde neste momento há uma PPP, fazer uma avaliação técnica. Depois é comunicado ao parceiro que tem a liberdade de não aceitar as propostas que lhe são feitas. Coisa diferente é optar ou não optar por ter uma gestão em PPP. Aquilo que diz que é uma questão ideológica, é uma questão prática. Não há, na minha perspetiva, um modelo que seja suficientemente fino, capaz de captar as complexidades do que é esse modelo no que são as suas vantagens e desvantagens. O que o modelo que nós neste momento temos, apenas capta é saber se ao princípio, antes do lançamento da parceria, há vantagem em seguir a parceria ou não há vantagem em seguir a parceria. O que é que aconteceu em Cascais? Foi que a evolução assistencial determinou que o HIV/SIDA passasse a ser tratado de uma outra forma, que a doença mental passasse a ser abordada de uma outra forma, e o contrato inicial não acomodava esses aspetos. Portanto, isso são circunstâncias que o modelo de avaliação não consegue captar ainda - talvez um dia o consiga fazer -, e que acabam por se refletir no que é a decisão, se é para este modelo ou para outro modelo.