"Precariedade não pode ser forma de vida." Ação de fiscalização a empresas arranca esta quinta-feira
A partir desta quinta-feira começam a ser notificadas 80 mil empresas com trabalhadores em situações ilegais.
Corpo do artigo
A Autoridade para as Condições do Trabalho está esta quinta-feira a notificar 80 mil empresas que têm 350 mil trabalhadores precários nos quadros. Esses contratos vão ter de ser transformados em vínculos permanentes.
O prazo termina a 10 de setembro e quem não cumprir está sujeito a multas. Questionada pela TSF sobre se acredita que esta integração vai mesmo acontecer ou se existem riscos acrescidos de incumprimento, a ministra do Trabalho e da Solidariedade Social, Ana Mendes Godinho, afirma que esta é apenas uma ação para garantir que a lei é cumprida.
"Naturalmente esta é a primeira ação de larga escala que se faz através de cruzamento de dados para garantir também uma maior capacidade de eficácia naquilo que queremos mesmo, que é colocar a agenda do trabalho digno no terreno e garantir que a lei é cumprida", esclareceu Ana Mendes Godinho.
Para já, o Governo não tem dados sobre setores de atividade a que se referem estas 80 mil empresas que têm 350 trabalhadores em situação precária à margem da lei e que precisam de converter esses contratos a termo em vínculos permanentes.
"Através deste cruzamento de dados, aquilo que se conseguiu foi detetar situações de trabalhadores que estão a com contratos a termo que já ultrapassaram os prazos legais e, portanto, que violam claramente aqui a lei do ponto de vista de serem considerados contratos a termo que já não deviam ser. Esta é também uma forma de combater a precariedade injustificada e notificam-se assim as 80 mil empresas relativamente às quais foram identificados estes 350 mil trabalhadores para, até dia 10 de setembro, corrigirem as situações", explicou à TSF a ministra.
Após este prazo, qualquer indício suspeito será alvo da Inspeção-Geral do Trabalho e a manutenção da irregularidade fica sujeita a coimas que podem ir até aos 61 200 euros.
"Se até 10 de setembro não corrigirem as situações, a partir de 10 de setembro a ACT irá novamente cruzar os dados para verificar a situação, para verificar, desde logo, se o contrato foi convertido em contrato permanente e se o trabalhador se mantém no quadro da empresa. Se, por acaso, o trabalhador desaparecer no quadro da empresa, é logo indício para fiscalização da ACT e, naturalmente, aí a ACT desencadeará as ações inspetivas para fazer cumprir a lei. Depois aí com uma dimensão sancionatória para quem não tenha convertido os contratos como a lei prevê. Vai haver ação inspetiva no terreno a partir do dia 10 de setembro nas situações em que a regularização não ocorrer", alertou.
TSF\audio\2023\07\noticias\20\ana_mendes_godino_3_sancoes
Para a ministra, a precariedade não pode ser padrão no caminho do trabalho digno. Neste caso estão em causa 8% do total de trabalhadores declarados e 19% do total de empresas contributivas.
"Este universo de empresas, 80 mil empresas, representa cerca de 19% do total das empresas com contribuições ativas e com trabalhadores declarados à Segurança Social. Em relação aos trabalhadores, 350 mil trabalhadores significa cerca de 8% do total do total de trabalhadores por conta de outrem que estão ativos na Segurança Social. Esta é mesmo uma ação de implementação da agenda de trabalho digno para promover o emprego e o trabalho digno, sustentável, em que a precariedade não pode ser uma forma de vida, nem um padrão de contratação. As empresas estão a ser notificadas hoje", acrescentou Ana Mendes Godinho.
A garantia deixada por Ana Mendes Godinho é que as 80 mil empresas começam esta quinta-feira a ser notificadas para regularizar a situação.
Daniel Carapau, que faz parte da Associação de Combate à Precariedade - Precários Inflexíveis, considera que esta inspeção já devia ter acontecido há muito tempo.
"Há muito que defendemos esta medida. Este número muito elevado de situações só pode ser detetado porque passou a haver acesso, da parte da inspeção de trabalho, aos dados da Segurança Social e isto é algo que este Governo já podia ter implementado há muitos anos. Já reivindicamos isto pelo menos desde 2015, portanto desde os últimos oito anos que exigimos esta medida porque, realmente, tínhamos noção de que seria a medida mais eficiente para detetar o prolongamento de contratos a prazo além dos seus limites legais, com o mesmo trabalhador. Apesar desta demora do Governo em implementar esta medida, estamos satisfeitos que pelo menos tenha sido finalmente implementada e, como nós suspeitávamos, existe um número muitíssimo elevado de trabalhadores em situações que indicam ser irregulares", lembrou na TSF Daniel Carapau.
TSF\audio\2023\07\noticias\20\daniel_carapau_1_peca_por_tardia
O responsável receia que a ACT não tenha meios suficientes para verificar se todas as ilegalidades foram corrigidas.
"Temos muitos receios, até pelas denúncias que o Sindicato dos Inspetores do Trabalho tem feito sobre a falta de meios e a falta de formação que existe na autoridade do trabalho para que a autoridade não consiga lidar com estas situações todas como será necessário e para defender os trabalhadores que estão nestas situações, que já estão numa situação frágil, podem estar em situação de precariedade há muitos anos seguidos. Portanto, já foram prejudicados porque já deviam ter um contrato de trabalho efetivo há muitos anos e não têm. Agora podem ser alvo de um despedimento ilícito e não haver capacidade da inspeção de trabalho para atuar perante todos estes casos, que realmente é um número muito elevado, como seria de suspeitar e como todos os dados indicam que são múltiplos os setores em que se recorre à precariedade em níveis muito elevados", acrescentou o responsável da Associação de Combate à Precariedade.