"Preferia que a corrida à vacina fosse pela melhor vacina e não pela mais rápida"

Robyn Beck/AFP
O desejo é do investigador do Instituto de Medicina Molecular, Miguel Castanho. Ouvido pela TSF, o especialista diz entender a urgência da situação mas lembra que é importante que as pessoas percebam o que está a ser feito.
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"Eu preferia que a corrida à vacina fosse a corrida para a melhor vacina e não a corrida para a vacina mais rápida" diz Miguel Castanho, investigador do Instituto e Medicina Molecular.
Ouvido pela TSF, o investigador, que é também professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa confessa: "o que me preocupa é que parece que todos os países estão muito preocupados em começar a vacinação, o mais rápido possível. Isso leva a que se usem as vacinas que chegaram em primeiro, ou seja, começa-se a vacinação com as vacinas que chegam, independentemente da origem e do tipo de vacina".
Vamos apresentar-nos para ser vacinados e logo se vê qual a vacina que lá está
Miguel Castanho diz temer que "com o tempo se gere muita confusão sobre porque é que duas pessoas equivalentes, que estão no mesmo grupo de vacinação, uma seja vacinada com uma vacina de RNA, outra com uma vacina de adenovírus, ou, outra ainda com uma vacina que é uma proteína do vírus". O investigador defende que tudo devia ser feito com alguma racionalidade, mas aparentemente, vai ser feito tendo em conta a ordem de chegada da vacina e a ordem de vacinação da pessoa. Isto é, "vamos apresentar-nos para ser vacinados e logo se vê qual a vacina que lá está".
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"Preferia que houvesse mais calma, menos precipitação e mais racionalidade"
O Reino Unido já aprovou a vacina da Pfizer e se for como o esperado para o resto da Europa, há de ser aprovada a vacina da Pfizer e depois a vacina da Moderna.
Miguel Castanho diz que, para cada uma, a EMA - Agência Europeia do Medicamento há de fazer recomendações, indicando qual a mais adequada a cada grupo de pessoas.
O investigador português admite que "podem vir um pouco mais tarde vacinas que afinal têm características melhores para determinados grupos, mas a vacinação já começou".
Se começa a haver rejeição à vacinação tudo isto será um esforço inglório. É preciso conquistar as pessoas para a vacinação
Miguel Castanho diz que "preferia que houvesse mais calma, menos precipitação e mais racionalidade. Mais racionalidade para explicar às pessoas porque é que se decidiu assim. Se começa a haver rejeição à vacinação tudo isto será um esforço inglório. É preciso conquistar as pessoas para a vacinação".
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Além de tudo, adianta o investigador do IMM, "não podemos contar que as pessoas tenham uma elevada consciência de saúde publica e vão todas vacinar-se. Não é exatamente assim. É um fenómeno complexo. As pessoas não aderem a tudo o que é recomendado porque senão ninguém fumava e a Sida tinha acabado há 10 anos".
Para Miguel Castanho "tem de haver lógica no que está a ser feito. Não pode ser só umas vacinas a chegar e uma pessoas a fazerem fila e a levarem a vacina e cada uma leva uma vacina que por acaso está lá naquele momento. Preferia um sistema mais calmo, menos precipitado, mais racional e mais fácil de explicar", acrescenta.
"O desespero faz parte do problema, não faz parte da solução"
Miguel Castanho afirma que percebe a urgência de se iniciar a vacinação contra a Covid-19, e até percebe o desespero, só que diz "o desespero faz parte do problema, não faz parte da solução".
O investigador adianta: "o que se arrisca em fazer já, e muito depressa, à custa de uma racionalidade do processo é que, se alguma coisa corre mal de início, pode haver a perceção de que um problema que aconteça aqui ou ali está relacionado com a vacina e isso seja aproveitado pelos movimentos antivacinas, por quem gosta de fazer circular as notícias falsas". Miguel Castanho alerta que isso pode "pegar fogo e ganhar grandes proporções provocando uma rejeição à vacinação".
O professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa recomenda algum resguardo contra esse tipo de situações, defendendo que seria bom "ter um plano mais fundamentado em matéria factual e em matéria científica".
Nesta conversa com a TSF, o investigador adianta que compreende a "necessidade de agir rapidamente, mas o que está em jogo, porque mexe com a vida das pessoas e com a nossa organização social, também exigiria que nós não respondêssemos tão à flor da pele e de uma forma tão emotiva como estamos a reagir".
grande parte da urgência, é uma urgência política. Os governos querem mostrar que estão no controlo da situação. Querem mostrar que estão a fazer alguma coisa
Miguel Castanho considera que "grande parte da urgência, é uma urgência política. Os governos querem mostrar que estão no controlo da situação. Querem mostrar que estão a fazer alguma coisa. Todos têm eleições. Se não forem presidenciais são autárquicas. Há sempre uma eleição qualquer no horizonte. Todos os países têm uma grande urgência em mostrar ao eleitorado que estão a fazer muita coisa. Mas, essa pressa, que muitas vezes é a pressa da agenda política, não é exatamente benéfica" conclui.
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O investigador português defende que é preciso conquistar os cidadãos para um plano de vacinação, sublinhando que "as pessoas têm de perceber o que está a ser feito e ninguém é especialista em vacinas ou em saúde publica".
Miguel Castanho adianta ainda que vamos ter vacinas diferentes, e como os cidadãos estão divididos em diversos grupos, vão começar a perguntar porque é que não existe uma lógica, uma correspondência, entre tipos de vacina e grupos de vacinação. E quando as pessoas começarem a perguntar isto?
"As perguntas sem resposta não criam empatia" conclui.
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