"Preocupa-me a TAP estar em autogestão"
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Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal, adianta que começou a receber as primeiras reclamações ligadas à operação da companhia numa altura em que voam pelo Parlamento os casos da polémica que envolve a demissão da CEO que sem resolução impede a posse do novo presidente executivo da empresa.
Com uma Páscoa cheia na hotelaria em que constata que está a haver um bom ano para o turismo de 2023, o presidente da CTP pede atenção com as euforias nos números recorde da atividade, uma vez que o setor perdeu e muito nos dois anos de pandemia, 2020 e 2021.
Sobre 2022 afirma que foi o ano que sorriu para o turismo e agora, o movimento nos aeroportos portugueses foi de mais 13% em janeiro, mais 19% em fevereiro e mais 14% em março e já se sabe que a Páscoa está completamente cheia, conclui, portanto, que vamos ter um bom ano e considera ser inevitável, o apelo às companhias aéreas para fretarem aviões com maior capacidade de transporte de passageiros, uma vez que não há mais capacidade de aterragem na capital portuguesa.
Questionado sobre as opções em estudo para a construção do novo aeroporto internacional português, afirma apenas que seja qual for, que seja já. "Decidam já! O que eu quero é que se decida. Já não é mais possível continuar mais 50 anos. Acho que era um grande feito que este Governo poderia trazer ao país e mais ninguém se esqueceria, é que decidiu o novo aeroporto de Lisboa."
Defensor da separação de funções entre Chairman e CEO, considera que o atual momento de indefinição na liderança, com o caso da presidente demissionária e da falta de posse do seu sucessor, causa preocupação, uma vez que a companhia está em autogestão e as queixas sobre a operação começam a surgir. Garantindo que tem recebido algumas reclamações por parte dos associados.
Quanto ao processo de privatização da TAP, seja a 20, a 60, ou 100%, seja qual for o modelo tem que haver condições prévias sobre garantias de operação nas ilhas, serviço à diáspora e que não se perca o Hub de Lisboa.
Do polémico dossier do Governo + Habitação, recorda que o Alojamento Local é responsável por 30% das dormidas a nível nacional e aliado à hotelaria que vai ter mais 60 unidades ainda este ano, contribui para não haver falta de camas para turistas no país, mas é preciso previsibilidade e não se podem tomar mais medidas, como as que constam no pacote do executivo e sobre os Vistos Gold considera que não faz sentido acabarem, tal como propõe o Governo, pois são responsáveis apenas por 5% das transações imobiliárias totais.
A nível laboral, considera que é inevitável que em caso de necessidade, as empresas vão ter que continuar a recorrer ao outsourcing, admite que continua a haver um grande problema de mão-de-obra, que é preciso resolver e está aberto em sede de concertação a discutir temáticas como a revisão de carreiras, lembrando que o turismo foi o setor que maiores aumentos salariais fez no último ano.
Francisco Calheiros é o convidado desta semana da entrevista A Vida do Dinheiro.
O Governo anunciou a suspensão das novas licenças de Alojamento Local até 2030. Que impactos terá esta medida no Turismo?
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É uma medida com a qual não concordamos. O AL é responsável por mais de 30% das dormidas a nível nacional e há algumas questões nestas novas diretrizes do Governo que em nada nos ajudam. A questão da validade das atuais licenças não dá qualquer previsibilidade, confiança ou segurança, que são aspetos fundamentais do investimento. Estas medidas estão relacionadas com as novas políticas de habitação; mas será que um quarto com 20 metros quadrados, que é a tipologia típica no AL, vai resolver o problema da habitação de uma família? Penso que todos estamos de acordo que não.
Concorda que é necessário existir alguma limitação ao AL nas zonas mais pressionadas?
Vamos ser claros: não é possível classificar as três mil ou quatro mil freguesias que existem no país todas da mesma maneira. Há claramente situações de freguesias - e sabe-se quais são em Lisboa e no Porto - em que já nem estavam autorizados novos AL e isso fazia sentido. Mas não nos podemos esquecer de que o AL foi uma lufada de ar fresco em muitos centros urbanos completamente degradados. E não tenho dúvidas nenhumas de que essa lufada de ar fresco na habitação foi por responsabilidade do AL.
A atual oferta de alojamento turístico nas grandes cidades será suficiente para responder ao número de turistas que se espera nos próximos anos?
Tem sido e tem havido muita inovação. A hotelaria também se tem modernizado muito e tem ido ao encontro das necessidades dos clientes. Temos agora hotéis mais pequenos, hotéis temáticos, hotéis trendy, tudo isso está a acontecer. Além disso, temos cada vez mais unidades - recentemente li que está prevista a abertura de mais 60 hotéis este ano, portanto, a oferta tem vindo a acompanhar a procura.
Não há o risco de nos próximos sete anos existir falta de camas para os turistas?
Penso que a oferta da hotelaria e de AL têm acompanhado a procura, portanto, não vejo que haja qualquer problema num futuro próximo de existir falta de alojamento para os turistas.
António Costa também colocou travão aos vistos gold. É possível calcular o valor de investimento que o turismo poderá perder?
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Acabar com os vistos gold não faz sentido e não irá resolver o problema da habitação. Estamos a falar nas medidas que advêm do programa Mais Habitação, mas é preciso ter noção de que as transações imobiliárias dos vistos gold não chegam aos 5% das transações totais, portanto, não será por aí que resolvemos o problema. Há mais de 170 países no mundo que têm, de alguma forma, um tipo de autorização de residência e 47 deles estão na Europa.
O capital estrangeiro é essencial para o desenvolvimento do turismo no país?
Diria que é essencial para o desenvolvimento de toda a nossa economia. O investimento estrangeiro é bem-vindo porque não tem havido capacidade, nem por parte dos privados nem por parte dos públicos, de o fazer.
Recentemente foi anunciado o IVA zero. A restauração quer que o Governo estenda esta matéria e pede a aplicação da taxa reduzida no setor. Esta seria uma resposta necessária para o turismo no atual contexto inflacionista?
Saudamos esta medida, mas a grande questão é perceber se os aumentos já pararam, porque se tomarmos uma medida agora, mas daqui a dois meses existir um aumento de 6% num determinado alimento, embora se retire os 6% do IVA, o efeito é nulo. Não tenho dúvidas de que no caso da restauração, a partir do momento em que seja utilizada essa taxa de IVA zero, que isso se vai repercutir nos preços.
Em maio entram em vigor as novas alterações à lei laboral, entre elas está a proibição do outsourcing. Que impacto pode esta medida ter no setor?
Tudo o que seja restrição, é um travão. Por exemplo, sou muito adepto da questão do outsourcing, nomeadamente numa série de atividades que não são core da empresa. As empresas têm de se focar no seu core business e recorrerem ao outsourcing sempre que necessário. Restringir seja o que for nunca é bom, seja no outsourcing ou noutro tipo de situação qualquer.
O setor não poderia ser mais atrativo, nomeadamente com uma revisão de carreiras?
Acho que todos os setores poderiam e deveriam ser mais atrativos. Temos, por um lado, de tornar mais atraente o setor do ponto de vista remuneratório - relembro que foi o setor que mais aumentou os ordenados em 2022 -, e mais atraentes nos planos de carreira. E esses planos de carreira são possíveis, até porque já temos na hotelaria muitas cadeias internacionais e temos de começar cada vez mais a requalificar as funções que temos nas várias atividades económicas do turismo e torná-las bastante atrativas. Por exemplo, atualmente um chef de cozinha é um must, temos de ter mais chefs de cozinha, temos de ter chefes de receção, temos de ter barmans, temos de tornar esta atividade bastante mais atrativa.
O Governo anunciou que irá rever a massa salarial da função pública em mais 1% e o subsídio de refeição também vai avançar para os seis euros. O turismo teria disponibilidade para acompanhar estas medidas, tendo em conta o aumento da inflação?
O turismo tem aumentado [os salários] acima da inflação, porque a questão das remunerações joga muito com a oferta e da procura. Não havendo oferta, a procura tem vindo a aumentar, razão pela qual no ano passado o turismo foi o setor que mais aumentou as suas remunerações. Em 2022 os privados subiram os vencimentos em 5,5% contra apenas 2% do Estado - dados de fevereiro referidos pela senhora ministra Ana Mendes Godinho na última reunião da Concertação Social. Estamos com mais 8% de contribuição na Segurança Social, portanto, a lei está a funcionar, a oferta é maior que a procura e os salários estão a subir e penso que irão continuarão a subir.
Como estão as empresas do setor a lidar com a escalada dos custos?
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Este está a ser um bom 2023, o movimento nos aeroportos cresceu 13% em janeiro, 19% em fevereiro e 14% em março. Em abril ainda não sabemos, mas já sabemos que temos a Páscoa completamente cheia, vai ser um bom ano. Costumo dizer que 2022 foi o ano do sorriso para o turismo e 2023 continua a confirmar o que aconteceu no ano passado. Mas atenção às euforias, porque perdeu-se muito dinheiro em 2020 e 2021. As empresas do setor vão precisar de mais 2022 para recuperarem das perdas de 2020 2021.
Há uma série de apoios às empresas de turismo em andamento, desde os seis mil milhões de euros do PRR, aos 100 milhões de euros anunciados no final do ano passado e recentemente o Governo anunciou mais 10 milhões de euros no programa Turismo+ Crescimento. Como está a execução destas medidas?
Estes números teimam em não chegar à economia, aliás, como o próprio PRR. Porque é que isto acontece? Deverão ser várias as razões, mas uma é claramente a burocracia que continua a existir, os processos extremamente difíceis de aceder e o que acontece é que o dinheiro teima em não chegar às empresas.
Já sobre o PRR fomos muito críticos: em termos gerais, as entidades empregadoras fizeram chegar ao Governo que devíamos ter um PRR muito mais vocacionado para os privados e menos para a parte pública, à semelhança de países como a Grécia, os 70/30 eram ao contrário. O PRR deveria ter um programa específico para o turismo, mas também não foi esse o entendimento do Governo, alegando na altura que não era no PRR que as várias atividades económicas deveriam estar plasmadas, mais no Portugal 2030 e no final do Portugal 2020. Não foi isso que aconteceu, porque há duas atividades económicas específicas do PRR, o mar e a cultura, e não foi essa a opção dos países nossos concorrentes. Tivemos o cuidado de ir ver os PRR de Espanha e Itália e em ambos existem programas específicos para o turismo.
São precisos mais apoios do Governo, uma vez que, como disse, as receitas recorde de 2022 não são suficientes para aguentar o impacto?
Sou completamente contra a subsidiodependência, a não ser em casos extremamente específicos e mesmo aí é uma opção privada. Um bom exemplo disso foi a questão da pandemia. Quando vem uma pandemia, uma coisa que não conheço, que não domino e que não sei quanto tempo dura, é evidente que uma das hipóteses que um empresário tem de ter à sua frente é fechar a sua atividade. A partir do momento em que o Governo é solidário, também está a pensar no seu próprio interesse, porque se fechar uma empresa então não paga impostos e são várias as pessoas que vão para o fundo de desemprego. Não sou minimamente apologista da subsidiodependência, mas quando há fundos para se poder capitalizar as empresas e temos uma pandemia, acho que faz todo o sentido que sejam utilizados.
Mais do que apoios, defende a redução da carga fiscal.
Gosto de olhar para o Governo como olho para as empresas, porque o Governo, tal como as empresas, tem receitas e despesas. Só que enquanto na minha empresa vou ver que receitas tenho e depois tenho de adequar os custos porque se não fecho, acho que os Governos têm o mau hábito de fazer ao contrário. Primeiro veem os custos e depois adequam as receitas, porque têm a facilidade de aumentar os impostos. Nos últimos anos qual foi aquele em que o Estado gastou menos?
Em nenhum, porque sobe sempre. Para se baixar a carga fiscal é preciso reduzir os custos, só assim consigo reduzir as receitas do Estado. É fundamental e é preciso coragem para que haja uma verdadeira reforma de Estado, uma reestruturação, que é o temos feito nas empresas desde os tempos da covid. Não pode existir qualquer receio de tornar o Estado mais magro e mais eficiente.
Com o verão à porta são esperados novos congestionamentos nos aeroportos, nomeadamente em Lisboa?
Não posso deixar de falar da questão do aeroporto, porque há 50 anos que se sabe que está a atingir os limites totais. Portanto, se me pergunta se vai haver problemas no aeroporto este ano, claro que sim, o aeroporto não estica. É evidente, prevendo que tenhamos um verão tão bom como tivemos o ano passado, a realidade é que vai ser um problema. O crescimento que referia há pouco neste primeiro trimestre, no verão não será possível. Não porque não haja mais turistas a quererem vir, mas porque não temos capacidade para ter mais slots.
A ANA está a pedir às companhias aéreas para que utilizem aviões maiores para trazer mais passageiros. Esta é uma medida suficiente enquanto não temos um novo aeroporto?
É uma medida óbvia, mas resta saber a disponibilidade que as companhias aéreas têm para movimentar esses aviões que provavelmente estão atribuídos a outros destinos. Isso são sempre remendos que estamos a fazer.
Beja e Alverca entraram na lista de localizações em estudo da Comissão Técnica e Independente. Acredita que são soluções viáveis ou está a acrescentar-se ruído à discussão?
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A CTP já defendeu muitas soluções, mas hoje queremos é que decidam. Fazemos parte da comissão de acompanhamento, temos grande confiança na comissão técnica e não temos dúvidas de que antes do fim do ano sairá dali alguma conclusão. Vamos ter uma solução, mas a decisão é sempre política, portanto, se a decisão é sempre política, porque é que vamos continuar a discutir Beja, Alverca, Santarém ou Alcochete? Era um grande feito que este Governo podia fazer pelo país e um de que ninguém nunca mais se esqueceria, ser o Governo que decidiu o novo aeroporto de Lisboa.
Concorda com a demissão pelo Governo da CEO Christine Ourmières-Widener? Como vê o papel da gestora neste ano e meio em que liderou a companhia?
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Embora conheça bem a CEO da TAP, falámos algumas vezes, mas não vou emitir nenhuma opinião sobre o que se passou entre ela e o Governo. O que me preocupa é que, na prática, a CEO já foi demitida, mas está lá e há um novo CEO que ainda não entrou. A TAP está em autogestão neste momento e recebi, esta semana, várias reclamações inacreditáveis de associados relativamente a situações que estão a acontecer na TAP. Temos uma presidente demissionária que ainda continua e um novo presidente que ainda não entrou. Não é certamente a melhor altura para que isto esteja a acontecer.
A que situações se refere?
Reclamações de situações com os voos; voos de Geneve para Lisboa que têm de ser deslocados para o Porto porque existe um problema de descanso de pessoal, chega um avião com dezenas de pessoas ao aeroporto do Porto, mas não está lá ninguém por causa das pessoas que têm transbordo para outros sítios. Não está a correr bem. Não tenhamos dúvidas de que a gestão de uma companhia aérea é algo de muito complicado e sou um do fã da TAP, mas já se fez muito mal à TAP no passado. Já foi pública, já foi privatizada, já foi nacionalizada outra vez, mas o que a TAP precisa é de paz. E se é uma empresa extremamente complicada de gerir, não faz sentido que neste momento não haja um CEO. Mas quem é que está a gerir a TAP? Tem de haver alguém responsável, mas não há CEO e já não é só há uma semana.
E a privatização vai dar essa paz à TAP?
Espero que sim. Não nos podemos esquecer que somos um país pequeno e periférico, onde 90% dos nossos turistas entram por via aérea e aí a TAP é completamente determinante. Desejava muito que houvesse estabilidade, paz social na TAP, porque a TAP é uma grande contribuidora para o Turismo deste país.
Com participação do Estado ou totalmente privada?
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Acho que a nacionalização da TAP é claramente uma questão ideológica, não tenho dúvidas nenhumas. Sou a favor da privatização da TAP, se o Estado vai privatizar 50%, 60% ou 100%, o que é fundamental é que há determinadas questões que têm de ficar elencadas, independentemente da participação do Estado.
Por exemplo?
Questões como as ilhas, a nossa diáspora e o nosso hub, que são fundamentais. É algo que independentemente da quota que o Estado venha a ter, é absolutamente determinante que se garanta que o hub continua em Lisboa. Foi por este hub que veio o movimento de americanos e brasileiros que temos em Lisboa.
