Pressões, pedidos e ameaças de exposição online: as mensagens para as vítimas de "sextortion"
Vítimas são levadas a trocar imagens e vídeos íntimos nas redes sociais e acabam por receber ameaças e mensagens em que é pedido dinheiro: caso contrário, o material explícito que enviaram é divulgado.
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São mensagens nas redes sociais, escritas em português ou castelhano, e apesar de começarem com uma aparente simpatia, depressa evoluem para pedidos de dinheiro, pressões e ameaças. No dia em que deteve cinco pessoas por vários crimes de extorsão em que os suspeitos exigiam pagamento sob ameaça de divulgação de imagens íntimas obtidas nas redes sociais ou em videochamadas, a Polícia Judiciária (PJ) divulgou exemplos do que enfrentaram algumas das vítimas dos esquemas.
A Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3T), em inquérito dirigido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Loures, fez cinco buscas domiciliárias no âmbito de operação "Não te dispas na Net!", que investiga o modus operandi, vulgarmente conhecido por sextortion, que passa pela abordagem da vítima através das redes sociais.
Após conversas mantidas online, as vítimas são convidadas a partilhar conteúdos íntimos (imagens ou vídeos) através das redes sociais ou de videochamadas e, quando estão na posse de tais conteúdos, os criminosos exigem o pagamento de determinada quantia monetária sob ameaça da sua divulgação junto de familiares, amigos e contactos profissionais. Há vítimas que chegaram a ser burladas em 50 mil euros.
"Publicarei todas as imagens e vídeos nus nas redes sociais"
O primeiro caso revelado nasce de uma troca de mensagens no Instagram. Uma utilizadora diz querer "fazer amizade" com a vítima e propõe uma troca de imagens: "Poder ir ao banheiro me enviar uma foto sua na frente do espelho nua."
A vítima do esquema responde "Tu primeiro" e recebe uma fotografia - que seria da pessoa com quem trocava mensagens - tirada à frente de um espelho. Nas mensagens seguintes, o idioma deixa de ser o português e passa a ser hispânico.
"Já tenho as tuas imagens e vídeos guardados no meu telemóvel e com isto posso fazer com a tua vida o que eu quiser. Assim, se não fizeres o que te peço, publicarei todas as imagens e vídeos nus nas redes sociais", lê-se numa primeira ameaça.
Noutra imagem, é possível ver, enviada de volta, uma das fotografias que a vítima terá enviado, acompanhada de um novo pedido de dinheiro: "Peço-lhe que me transfira uma quantia de 1000€". Caso contrário, a "foto nua e o vídeo" enviados pela vítima iriam para "todas as redes sociais".
"Vou manchar sua reputação"
O segundo exemplo mostra uma conversa no WhatsApp em que a vítima explica ao autor da extorsão que ligou "várias vezes" e que já "localizaram a chamada".
Do outro lado, a resposta são uma pergunta - "Você acha que eu ficaria com medo?" - e uma ameaça - "Não se esqueça que vou manchar sua reputação" - acompanhada de um aviso: "Nunca estará em paz a menos que me envie os 250 € restantes."
A vítima responde que está "sem emprego" e que não tem dinheiro, recebendo apenas ajuda dos familiares.
Do outro lado, lê que o autor do pedido está já "chateado" com a situação e que exige receber 250€ no dia seguinte, "muito cedo".
Segue-se uma nova mensagem de pressão: "Tem que cumprir o seu dever, senão vou mostrar-te do que sou capaz. Esperávamos em 500€ tu pagaste 250€ há 250€ que pagas amanhã à primeira hora senão eu vou publicar todas as fotos de nus para todos os seus amigos no Facebook e em outras redes sociais estou falando muito sério"
Depois de enviar ao extorsionário, no final de outubro, um talão multibanco que confirma uma primeira transferência de 250 euros, a vítima - a quem já teria sido pedido dinheiro novamente - tenta negociar um pagamento total de 500 euros em duas partes: 250€ no fim de novembro e a mesma quantia um mês depois, no final de dezembro.
Dou outro lado recebe uma nova ameaça: "Se você me trair, tudo vai dar errado para você."
Trezentas queixas em três anos
Em conferência de imprensa para esclarecimentos sobre esta operação, Carla Costa, a inspetora-chefe da Polícia de Judiciária, avançou que a PJ recebeu 300 queixas relacionadas com este modus operandi nos últimos três anos.
No entanto, a inspetora-chefe destacou "as cifras negras", uma vez que há muitos cidadãos que são vítimas deste tipo de crimes, que chamou de extorsão sexual, mas que não denunciam.
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Carla Costa explicou que o criminoso estabelece uma comunicação com a vítima até criar uma relação de confiança, que normalmente não dura muito tempo.
"A partir do momento em que o criminoso tem os conteúdos de cariz sexual e íntimo na sua posse, a vítima é contactada por outro elemento", através de números de telefone com indicativos dos Brasil e Angola, que se faz passar por uma autoridade ou um magistrado desses países que comunica que cometeu "um crime e que é um pedófilo porque partilhou imagens com menores de idade", disse.
A inspetora-chefe acrescentou que a PJ detetou duas formas diferentes de atuação, uma delas é que têm de pagar os tratamentos médicos do menor com quem partilhou as imagens por ter ficado muito perturbada e a outra forma é que existe uma coima e é necessário pagar uma determinada quantia para extinguir esse procedimento criminal.
"Para o tratamento da menina"
O golpe para exigir dinheiro pelos tratamentos médicos de uma menor é a tática usada no terceiro caso partilhado pela Polícia Judiciária. Começa no Messenger do Facebook com um pedido de troca de imagens explícitas. Na mesma conversa, a pessoa que fez o pedido explica, mais tarde, que vai para a "escola".
Já no WhatsApp, é possível ler que a vítima recebe uma tentativa de contacto de um número que não conhece e pede desculpa, explicando isso mesmo: "Não sei com quem falo."
Do outro lado, recebe a informação de que a filha - com quem a vítima do esquema teria trocado mensagens - "só tem 16 anos" e que o caso já foi transmitido a um advogado, seguindo-se uma denúncia à Polícia Judiciária.
A vítima é ainda questionada sobre se "não tem vergonha de mandar fotos nuas em [sic] menor" e é informada de que vai responder em tribunal pelo sucedido, já depois de ter explicado que as imagens enviadas lhe tinham sido pedidas.
"Eu nem sei a idade dela mais uma vês [sic] me desculpe", responde a vítima, que recebe como resposta que o "marido" - presumivelmente "pai" da "menor" - vai ficar a saber da situação e que deve entrar "em contato" com um advogado.
"Os meus familiares em Lisboa já estão com os seus dados só estão a espera do meu sinal para avançarmos com o caso", diz também a autora original do contacto.
Noutra imagem, a vítima do esquema lamenta que o banco só lhe empreste dois mil euros e explica que os envia no dia seguinte. Do outro lado, recebe a resposta de que a quantia é suficiente "para o tratamento da menina" e é pressionada a pagar os dois mil euros no próprio dia para que o "tratamento" comece "cedo" no dia seguinte.
Numa troca de mensagens já com outro contacto, com indicativo de Angola (+244) a vítima é ameaçada com a exposição pública do caso num canal de televisão e aconselhada a tratar do assunto de "maneira amigável" para evitar que chegue a "instâncias superior [sic]".
Responde com pedidos de desculpa e repete que não sabe a idade da alegada menor a quem enviou imagens. No espaço de 25 minutos, antes da resposta escrita, recebeu quatro chamadas de voz, que não atendeu.
A vítima é ainda contactada por um terceiro número, com indicativo da Polónia (+48), que se apresenta como "deputado Fernando" e quer saber "o que se passa" com a filha. Acrescenta que foi contactado pelo "Advogado André" sobre a situação, faz uma chamada de voz - que é recusada - e insiste, ameaçando perder a paciência e envolver a "Interpoli" no caso.
Carla Costa afirmou que as pessoas ficam assustadas, "porque pensam que cometeram um crime e acabam por fazer esses pagamentos para contas nacionais e ficam lesadas com este esquema".
A responsável avançou que tem acontecido nos últimos tempos uma abordagem às vítimas em que os elementos se fazem passar por polícias portuguesas.
A inspetora-chefe da PJ disse ainda que há vítimas que chegaram a ser burladas em 50 mil euros.
Os cinco detidos, todos os estrangeiros e com interação entre si, vão ser presentes a primeiro interrogatório judicia para aplicação de medidas de coação.