"Mátria - Aqui na Terra" envolve quase 80 pessoas e é inspirada em contos do escritor Miguel Torga
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Estreia esta sexta-feira, no Teatro de Vila Real, "Mátria - Aqui na Terra". É a primeira ópera original criada na região transmontana e duriense. É um dos pontos altos do programa comemorativo dos 20 anos do Alto Douro Vinhateiro Património Mundial.
O libreto da ópera (uma espécie de guião) é da autoria de Eduarda Freitas e totalmente inspirado nos "Contos da Montanha" (editados em 1941) e nos "Novos Contos da Montanha" (editados em 1944), escritos por Miguel Torga.
De acordo com a sinopse da ópera, numa aldeia transmontana, um rapaz vive fascinado com as histórias de encantar, acreditando que há um tesouro escondido na barriga do monte para onde leva as ovelhas. O menino transforma-se num homem inquieto, que procura fora de si uma qualquer paz. Cruza-se com outras vidas, cada qual com a sua inquietação. E é quando a velhice se cola aos ossos, que o velho homem sente o apelo do regresso, à procura das certezas de menino.
Está organizada em dois atos de duração muito desigual. O primeiro contém onze cenas, de caráter mais abreviado e de sequência mais rápida e contrastada. O segundo, apenas três, de recorte mais denso e continuado.
As últimas semanas foram de grande azáfama para que nada falhe, esta noite, na viagem pelos contos de Miguel Torga que Eduarda Freitas adaptou. Criou um novo conto, a Mátria, dando nova vida a algumas personagens, mas mantendo as falas originais. A autora precisa que "personagens que nos contos originais morriam ou casavam, em Mátria têm outra vida e outras experiências".
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Quem for à ópera Mátria poderá ver um pouco da região transmontana e duriense espelhada no palco, envolvida em "muito trabalho e dedicação". Eduarda Freitas destaca "as vindimas, o verão, as festas, o frio, o Natal, um padre da aldeia a dar um sermão, o namoradeiro atrás de uma miúda". É a vida quotidiana do Douro, mas que, no fundo, "é a vida de todos nós".
A Mátria não tem um cenário estático. As personagens são versáteis e estão em constante mudança. A autora nota que "tanto são árvores e ovelhas, como vinhas e cestos de vindima, ou cartas de amor, sentimentos e desespero por alguém que vai partir". Por isso, é "um papel extremamente exigente" para pessoas que se têm "dedicado muito".
Entre estes dedicados está Ana Alexandra Amaral. Faz parte do coro da comunidade e não hesitou em entrar no projeto. A poucas horas da estreia, não esconde que sente "borboletas no estômago", mas é uma "sensação boa", porque "é um projeto completamente inovador que dá imenso prazer".
Desde que Eduarda Freitas teve a ideia, até a levar o palco passaram 10 anos. "Demonstra uma grande capacidade de resistir", confessa a autora. Depois de garantir financiamento da Direção-Geral das Artes, o desafio foi chamar ao projeto as pessoas que lhe dessem garantias de sucesso.
Mátria tem música do compositor Fernando C. Lapa. A direção musical pertence ao maestro Jan Wierzba. Nasceu na Polónia, mas vive, há muitos anos, em Portugal. A encenação é de Ángel Fragua, os figurinos de Cláudia Ribeiro e o desenho de luz de Pedro Pires Cabral.
O maestro Jan Wierzba diz que quando foi convidado ficou "muito feliz" e "nem queria acreditar que algo assim estava a acontecer em Vila Real". Recorda que todo o projeto que lhe foi apresentado "soava muito a céu". "É tudo aquilo em que eu acredito, recorrendo a pessoas e histórias da terra, com base em textos de um enorme escritor (Miguel Torga)", sublinha.
Wierzba está no fosso de orquestra a orientar os músicos e os cantores. A empreitada de colocar o espetáculo nos carris tem sido "enorme", mas acredita que Mátria "vai ter uma ótima estreia".
Os episódios da vida real, às vezes quase surreal, são musicados por Fernando C. Lapa. O compositor vila-realense, com uma longa carreira nacional e internacional, espera que esta obra "possa ser de muita gente" e, também, "ajudar a dizer que a música dita clássica ou erudita não é privilégio de classe ou casta".
A responsabilidade de encenar tudo e todos os intervenientes é de Ángel Fragua para quem o "conciliar horários com os participantes" e "o pouco tempo de ensaios" foram as maiores dificuldades. No coro encontra o suporte da ausência de cenografia. "Assume a personagem principal da Mátria. Utilizamos os corpos do coro como elementos para criar espaços, ambientes e ações. O coração da Mátria radica no coro", considera Ángel.
Habituado a trabalhar em todo o país, Jan Wierzba diz que "seria muito bonito" poder levar a Mátria a outros palcos do país. Assegura que não falta "talento e estruturas" em Portugal para criar "bons espetáculos culturais" em todas as regiões. Além do mais, "as pessoas querem sair de casa, ir aos auditórios e teatros". Ana Alexandra Amaral está convencida que "se tudo correr bem" há de haver condições para "abrir portas a outros contactos para apresentar um espetáculo muito bonito".
Em palco estarão 21 elementos dos coros: dos Moços do Coro e do coro comunitário formado para a ópera, mais sete solistas e cerca de 30 músicos da Orquestra Mátria, que conta com elementos da Banda Sinfónica Transmontana e da Douro Strings Academy.
A ópera "Mátria - Aqui na Terra" estreia esta sexta-feira, às 21h30 horas, no Teatro de Vila Real. Volta a subir ao mesmo palco este sábado à mesma hora e no domingo às 17h30 horas. Em 20 fevereiro vai ser apresentada no Teatro de Bragança.