Procuradores consideram que diretiva da PGR os transforma em "marionetes" do MP
Diretiva determina que a doutrina do parecer deve ser seguida pelo Ministério Público.
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O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público considerou esta quarta-feira "grave" o teor do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre relações hierárquicas, admitindo que transforma os procuradores "em marionetes" da chefia do Ministério Público.
Em declarações à agência Lusa, António Ventinhas referiu que o parecer e a diretiva da procuradora-geral da República (PGR), Lucília Gago, que determina que a doutrina do parecer deve ser seguida pelo MP, cria no fundo um "processo penal paralelo em que nem juízes nem advogados sabem efetivamente quem toma as decisões no processo - se é o procurador titular do processo-crime ou se é a hierarquia".
O parecer, além de concluir pela possibilidade de a hierarquia modificar ou revogar atos praticados pelos procuradores titulares do processo, determina que esta intervenção da chefia não figura nos autos do processo, o que, no entender do presidente do SMMP, "oculta" quem toma as decisões e viola o princípio do processo penal relativamente à transparência que deve presidir à atuação do Ministério Público, no tratamento dos atos processuais.
Também o ex-presidente do Sindicato dos Magistrados do MP Rui Cardoso manifestou nas redes sociais a sua indignação pessoal pelo teor do parecer e correspondente diretiva ao afirmar que a data daquela decisão (4 de fevereiro de 2020) foi "o dia mais negro da história democrática do MP português", pois "morreu como magistratura".
Em contrapartida, acrescentou, "nasceu uma verdadeira autocracia, com um nível de hierarquia que nem na Administração Pública existe".
"Todos os agentes do MP (que não mais podem ser chamados de magistrados) são apenas uma longa mão da vontade do/a Procurador/a Geral da República. Este/a, nomeado/a pelo Presidente da República por proposta do Governo, passa a ser diretamente responsável por tudo o que sucede no MP, pelo que ordena, pelo que devia ter ordenado, pelo que permite, pelo que não impede. É sua a única vontade relevante", adverte Rui Cardoso.
Um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) hoje divulgado determina que a hierarquia do Ministério Público (MP) pode intervir nos processos-crime, "modificando ou revogando decisões anteriores".
Segundo o parecer, nos processos-crime a intervenção da hierarquia e o exercício dos poderes de direção do MP não se circunscrevem ao que está previsto no Código de Processo Penal, "compreendendo ainda o poder de direção através da emissão de diretivas, ordens e instruções, gerais ou concretas".
O parecer, cuja doutrina a procuradora-geral da República, Lucília Gago, determinou que seja "seguida e sustentada pelo MP", refere que as normas relativas à intervenção hierárquica em processos crime "conferem à hierarquia competência para a prática de atos processuais penais, modificando ou revogando decisões anteriores".
Entende o Conselho Consultivo, num parecer que tinha sido pedido por Lucília Gago, que a subordinação hierárquica dos magistrados do MP "permite a execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania e o controlo dos atos processuais" e "melhora a administração da justiça, evitando a fragmentação de procedimentos e resultados".
Outra das conclusões indica que "a subordinação hierárquica dos magistrados do MP pressupõe, para além de outros poderes, o reconhecimento do poder de direção que integra, em geral, o conteúdo da relação hierárquica e que se consubstancia na faculdade de emissão de ordens e instruções, gerais ou concretas, pelo superior hierárquico".
O parecer do Conselho Consultivo da PGR surge numa altura de controvérsia no seio do MP sobre o conflito latente entre autonomia dos procuradores e poderes da hierarquia do MP, tendo um dos casos concretos conhecidos resultado da investigação ao furto e achamento das armas de Tancos quando os procuradores titulares do processo quiseram inquirir o primeiro-ministro, António Costa, e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o que foi inviabilizada pelo diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), Albano Pinto.
Este parecer surge também em vésperas de o Sindicato dos Magistrados do MP divulgar um estudo realizado pelo especialista em Direito Administrativo Luís Fábrica que aponta para o "reforço da autonomia dos procuradores face à hierarquia do MP", à luz do novo Estatuto do MP, que entrou no início do ano em vigor.