Produtores nacionais de cereais falam de campanha "terrível" com perdas que chegam aos 100%
À TSF, José Palha fala de uma combinação de "três fatores climáticos" que explicam o fracasso nos campos portugueses e alerta que para situações em que as perdas rondam a totalidade das plantações.
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Depois de os dados do Instituto Nacional de Estatística revelarem que a campanha de cereais que agora acabou foi a "pior de sempre" no país, a mensagem é sublinhada por quem põe as mãos na terra: "Foi terrível para os produtores de cereais portugueses." O presidente da Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais (ANPOC), José Palha, explicou à TSF que as dificuldades nasceram de "três fatores climáticos que afetaram brutalmente quer a área semeada, quer depois o rendimento" da mesma.
"Este tipo de cereais, especialmente o trigo duro e o trigo mole, têm época ideal de sementeira entre 15 de novembro e 15 de dezembro", uma janela temporal que no ano passado foi marcada por uma "quantidade de pluviosidade muito superior ao que é normal", fator que "impossibilitou a sementeira destas culturas na altura ideal".
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A esta realidade juntam-se a seca generalizada em Portugal continental - atinge 96,9% do território - e as "ondas de calor enormes em abril", que fecham o trio de fatores que "provocaram uma quebra muito, muito grande na produtividade das culturas que estiveram instaladas". Nalguns casos, como o das parcelas "que não tinham possibilidade de irrigação, as de sequeiro", há "perdas a rondar os 100%".
O cenário é ainda mais complicado para as explorações - em particular a sul do Tejo - que aliam a pecuária à produção de cereais, atividades que "andam muito interligadas".
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"No caso da pecuária a situação também é complicadíssima" dado que não há restolhos destes cereais nem pastagem natural "porque a primavera não teve chuva" e os preços das rações "estão a valores altíssimos muito por via do conflito" na Ucrânia".
Este conjunto de fatores coloca os produtores que aliam os cereais à pecuária em situações "muitíssimo complicadas, sendo que já há muitos a venderem partes ou alguns até o efetivo pecuário total por não terem condições de os alimentar". José Palha resume numa frase: "Este ano de 2023 é, de facto, um ano muitíssimo complicado para este tipo de agricultores."
Perante estas dificuldades - e apesar delas - o líder da ANPOC defende ser altura de "tentar resolver o problema dos recursos hídricos, especialmente a sul do Tejo, mas também na zona, por exemplo, da Terra Quente de Trás-os-Montes, que vive situações parecidas com o Alentejo".
Uma das soluções pode passar por "tentar aumentar o armazenamento", uma vez que no último inverno, "apenas num dia de dezembro, naquela altura das cheias, passou tanta água no rio Tejo para o mar como toda a capacidade de armazenamento na barragem do Alqueva", o que leva José Palha a afirmar que "o que nós temos não é um problema de falta de água, é um problema de a água estar mal distribuída no país".
O representante dos produtores defende também a necessidade de aumentar o armazenamento e que se equacione por em prática "projetos que estão pensados desde a década de 1950 do século passado, de fazer transvazes do Norte para o Sul".
"O objetivo será preparar o país para o futuro e não ficarmos à espera da calamidade que se avizinha e que já estamos, nalgumas zonas do país, a sentir neste momento", alertou.
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As previsões agrícolas reveladas esta sexta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que a colheita de cereais para grão, que já está concluída, foi a pior de sempre para todas as espécies, num ano agrícola novamente marcado pela seca.
"A colheita dos cereais para grão de outono/inverno está concluída, confirmando a atual campanha como a pior de sempre para todas as espécies cerealíferas, resultado dos decréscimos de área de produtividade", lê-se no documento.
O ano agrícola é, novamente, marcado pela seca, que atinge 96,9% do território do Continente, sendo que 34,4% dos quais estão em seca severa ou extrema (a Sul do Tejo).