A 26 de novembro, o D. Maria II associa-se ao programa de comemorações dos 80 anos de carreira do ator que é um dos mais aclamados pelo público português.
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A temporada do Teatro Nacional D. Maria II arranca a 22 de setembro, com o espetáculo "Casa Portuguesa", da autoria do novo diretor artístico, Pedro Penim, que imprimiu a sua "personalidade" numa programação com propostas ainda do seu antecessor.
Uma homenagem a Ruy de Carvalho, nos 80 anos de carreira do ator, a leitura de "grandes clássicos" do teatro brasileiro, quando se assinalam 200 anos de independência do Brasil, a associação à Temporada Cruzada Portugal-França, com a peça de Joël Pommerat "Ça ira (1) Fin de Louis", que termina em Lisboa a sua digressão, e o lançamento do projeto "Antecipar o Futuro", a pensar em novos criadores, são outras propostas dessa programação.
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Pedro Penim assumiu funções como diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II (TNDM), em Lisboa, em novembro do ano passado, sucedendo no cargo a Tiago Rodrigues, que irá dirigir o Festival d'Avignon, um dos mais importantes eventos mundiais de teatro, a partir de 2023.
Esta é primeira programação de Pedro Penim para o TNDM, que herda ainda alguns espetáculos programados por Tiago Rodrigues até ao final de 2022, mas que manifesta já a sensibilidade artística do novo diretor, a quem coube a incumbência de desenhar por completo a programação para 2023, ano em que o teatro fecha para obras e entra em digressão, fazendo do território nacional o seu palco.
Recordando a sua chegada ao Teatro D. Maria, Pedro Penim contou em entrevista à agência Lusa que "todo esse processo de conhecimento do terreno, daquilo que se faz, das equipas, demorou bastante tempo, porque é bastante complexo".
"Estamos a falar de um sítio onde há muitas possibilidades e onde acontecem muitas coisas. Em termos do que trago para esta programação, é ainda uma programação partilhada com o meu antecessor. O Tiago [Rodrigues] programou até ao fim de 2022, com alguns espaços onde incluí alguns espetáculos, esses sim propostas minhas, que vão no sentido de criar programação com um mote que é 'antecipar o futuro'".
Esta ideia surgiu porque, para o diretor artístico, "pensar teatro é esse exercício de se antecipar o que não se conhece, mas baseado nos ensinamentos milenares do que é a arte teatral".
"Há uma duplicidade que cabe bem a esta casa, que é de tradição, de memória, mas também projetada para o futuro, e as propostas de programação vão muito nesse sentido: tentarmos pensar o que é a nossa identidade, a nossa tradição teatral, mas pensá-la para os dias de hoje e pensar nas formas que aí vêm e que ainda não conseguimos dizer, há esse elemento de futurologia, que é muito aliciante", considerou Pedro Penim.
Em termos daquilo que é a sua sensibilidade artística, assume que é diferente da do seu antecessor e considera que há uma "abertura ainda maior às diferentes identidades que estão no território português e às diferentes comunidades".
"É uma programação que pensa de uma forma muito crítica o que é a identidade portuguesa, o que é o território português, é uma programação que tenta repensar a história, não só a história contemporânea, mas também a história mais recuada, de alguma forma transformá-la também à sensibilidade dos dias de hoje, e há muito humor, é uma marca que para mim é bastante relevante. É nessa combustão de todas estas ideias que, se calhar, se encontra, sem ser a minha marca, a minha personalidade", explicou.
Para Pedro Penim, este é um "momento decisivo" para as artes performativas em Portugal e especificamente para o teatro, e por isso considera que 2023 vai ser um ano de "grande revolução", porque será um período de "digressão pulverizada pelo país" e, ao mesmo tempo, "com necessidade de pensar o que significa o teatro em Portugal em 2023".
Para designar a próxima temporada do TNDM, sobretudo a desenhada para o próximo ano, o diretor artístico recorreu à expressão "odisseia nacional", porque se trata de "um empreendimento que é na verdade épico, e que tem esse lado épico, porque o teatro nasceu na Grécia - há aqui uma piscadela de olho a essa ideia de epopeia clássica grega - e, depois, o que é muito relevante, é que estaremos em mais de 90 municípios em Portugal".
No entanto, Pedro Penim não quis adiantar projetos programados para esse ano, explicando que a apresentação da temporada completa será feita no dia 18 de novembro, exceto aquele que vai ser o espetáculo de arranque oficial da digressão, a "Casa Portuguesa, no Teatro Nacional São João, no Porto, a mesma peça que abre a programação em Lisboa.
A ideia da "Casa Portuguesa" surgiu quando Pedro Penim percebeu que poderia propor um espetáculo para a abertura da temporada, e começou a pensar não só na sua posição enquanto diretor daquela que é considerada a casa do teatro português, mas também na própria ideia de casa, que "é uma ideia que tem evoluído muito ao longo da história portuguesa, não só a casa, mas quem ocupa a casa, a família, o chefe da casa, como ele se vai modificando na sua índole e na sua forma de ação".
"Comecei então a misturar isso com algumas leituras que já vinha a fazer de um filósofo de que eu gosto muito, que é o Emanuele Coccia, que escreveu uma obra que se chama 'A filosofia da casa', portanto, nesse sentido de refazer o pensamento do que é a casa, sobretudo depois da pandemia, porque as nossas casas também se alteraram muito com a pandemia".
Junta-se a estes fatores um "documento" que, para o também ator e encenador, é "muito importante", porque tem a ver com a sua casa, no sentido da sua família.
"O meu pai fez a guerra de África como soldado, obrigado como muitos que o fizeram, e escreveu um livro, a propósito da sua estadia em Moçambique, um diário, a que chamou 'No Planalto dos Macondes', e então eu faço uma mistura entre esse documento filosófico que andava a ler, essa ideia da reformulação do que é a casa portuguesa - obviamente a canção que a Amália celebrizou, 'Casa Portuguesa', dá também uma ideia do que era a casa portuguesa do antigamente e como ela já não se verifica -, e depois essa relação familiar com esse documento do meu pai, que é tudo transformado em ficção, em teatro", revelou.
Outro destaque da programação apontado por Pedro Penim é o projeto "Antecipar o Futuro", que sublinha "uma necessidade do teatro, que é muito premente, que é muitas vezes os jovens criadores não terem espaço para criar, livres da apresentação".
Então, o novo diretor do TNDM pensou que este seria o "sítio ideal" para que estes criadores pudessem estar em residência a criar os seus espetáculos e poderem ali "mostrar o seu processo".
"Acho que essa ideia de mostrar o processo é muito atraente para o público, porque o público conhece melhor os artistas, e para os artistas dá-lhes a possibilidade de discutir a obra que estão a criar. Portanto, o 'antecipar o futuro' é um ciclo de arte contemporânea, uma mostra de arte contemporânea que junta a essas duas residências, à mostra do resultado das residências, concertos, instalações debates, e são esses dois momentos, o 'antecipar o futuro' e a 'casa portuguesa', que acabam por ser o momento de abertura de temporada".
Referindo alguns exemplos de iniciativas a decorrer no âmbito do projeto "Antecipar o Futuro", Pedro Penum adiantou que Emanuele Coccia foi convidado a estar no D. Maria e aceitou, "um prazer gigantesco e um privilégio, poder ter um pensador e um filósofo desta envergadura aqui no teatro".
Está previsto também um concerto das Fado Bicha, que estarão igualmente no elenco da "Casa Portuguesa", bem como a presença dos El Conde de Torrefiel, uma companhia espanhola que estará a fazer um 'workshop' e a mostrar o produto do seu trabalho.
"São nomes com alguma relevância, mas apoiados na ideia do experimental, enquanto o espetáculo que está na sala Garrett é um espetáculo mais clássico, no sentido tradicional de um espetáculo de teatro, mas depois tudo o que se passa durante essa mesma abertura é no sentido de pluralizar, de abrir para outros formatos que o teatro também tem".
Até dezembro, está ainda programado um espetáculo francês que é patrocinado pela Temporada Cruzada Portugal-França, de Joël Pommerat, sobre a revolução francesa mas adaptada à realidade contemporânea.
Intitulado "Ça ira (1) Fin de Louis", é um "espetáculo de muito sucesso que já esteve em muitos sítios e que terá aqui em Lisboa a sua última apresentação". "Terminará a carreira aqui no Teatro Nacional", entre os dias 28 e 30 de outubro.
"Teremos depois uma homenagem a Ruy de Carvalho, que faz 80 anos de carreira - um número redondo e quase impossível de pensar -, e que tem aqui a sua casa, fez aqui muitos espetáculos. Não se estreou aqui, mas quase. E então teremos, no dia 26 de novembro, um dia de grande homenagem a esse enorme ator", disse.
Outro destaque da programação partiu de um convite da Embaixada do Brasil, que está a celebrar 200 anos da independência e, nesse contexto, fez uma proposta para fazer leituras de teatro brasileiro, de grandes clássicos: "Fale baixo senão eu grito", de Leilah Assumpção (22 de outubro), "O auto da compadecida", de Ariano Suassuna (8 de outubro), "Agreste", de Newton Moreno (15 de outubro), e "O beijo no asfalto" (1 de outubro), de Nelson Rodrigues, "que é o 'super clássico' do teatro brasileiro e vai ser um momento muito aliciante".