"Proibir é quase criminoso." Médicos querem continuar a passar receitas à mão
A Ordem dos Médicos pretende que o Governo pondere alargar para lá de 30 de junho a portaria que permite aos clínicos prescreverem receitas de forma manual.
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Só no mês de março, de acordo com os dados dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, 1629 médicos prescreveram mais de 15.300 receitas de forma manual. Um pequeno número comparado com as mais de 4 milhões e 800 mil receitas eletrónicas prescritas no mesmo período.
No entanto, com a chamada "inadaptação fundamentada do prescritor", a Ordem dos Médicos tem inscritos muito menos clínicos do que os 1629. São 882 médicos.
O que acontece é que, por vezes, aqueles não têm qualquer iliteracia informática recorrem à caneta para prescreverem as receitas aos seus doentes. "Quando os sistemas informáticos vão abaixo só temos duas soluções: ou prescrevemos manualmente, ou mandamos os doentes sem medicamentos, o que pode ser catastrófico", refere o bastonário da ordem.
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A TSF falou com diversos médicos que confirmaram ser impossível passar apenas receitas eletrónicas devido aos constrangimentos constantes do sistema. Além disso, basta que um médico se esqueça do seu cartão de cidadão em casa e do PIN para já não poder prescrever a receita de modo informático.
"Numa altura de crise do SNS, com a saída de tantos médicos, estar a impedir médicos de dar o seu contributo e de poderem prescrever receitas, é criminoso", adianta Miguel Guimarães. "Não há nenhum país do mundo que tenha as receitas 100% eletrónicas", sublinha.
Miguel Guimarães lembra também que muitos médicos, mais idosos, que prescrevem ainda receitas manuais, continuam a dar consultas e a responder aos seus doentes. Sobretudo em meios rurais mais isolados. "Fazem um serviço importante em regiões onde muitas vezes até há falta de médicos", afirma. "Não vale a pena impedi-los de passar receitas", conclui.
A Ordem dos Médicos vai escrever ao Ministério da Saúde e espera que, mais uma vez, o Governo aceda aos pedidos e permita que se continuem a passar as receitas à moda antiga.
Ordem dos Farmacêuticos quer receitas eletrónicas, mas com exceções
O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Hélder Mota Filipe, defende que as receitas devem ser prescritas eletronicamente, mas admite que deve haver exceções que permitam a prescrição manual. Para o bastonário, as receitas eletrónicas dão mais segurança de controlo do próprio sistema e evitam erros humanos, mas sublinha que têm de haver exceções.
"Aumenta a probabilidade de erros associados, erros humanos, quer de interpretação quer de transgressão porque não há um sistema que permita assegurar que se evite esses erros como acontece no sistema da prescrição eletrónica. Por essa razão é que digo que a regra deve ser prescrição eletrónica, sem papel. O que não podemos nunca é deixar os doentes numa situação em que, quando há uma corrupção do sistema e deixa de ser possível prescrever eletronicamente, o papel deixe de ser legalmente aceite", explicou à TSF Hélder Mota Filipe.
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O bastonário dos farmacêuticos afirma que as receitas manuais recebidas nas farmácias já são residuais em comparação com as eletrónicas, mas lembra, no entanto, que no caso do ataque informático ao Hospital Garcia de Orta foram as receitas manuais que permitiram aos doentes ter os medicamentos.
"Tivemos agora o caso do ataque criminoso à infraestrutura informática do Hospital Garcia de Orta, em que tudo está informatizado, e obviamente os profissionais começaram a ter de utilizar todos os suportes em papel para que os doentes não ficassem sem tratamento. Este é um exemplo de condições excecionais que a lei tem de garantir que possam ser possíveis", acrescentou o bastonário da Ordem dos Farmacêuticos.