Projeto comunitário com 300 idosos isolados levou modo de vida das aldeias a palco
"Trilogia dos Vales" foi promovido pelo CLDS 4G e a Associação Cultural Rock"n"Cave, envolvendo o coletivo artístico Space Ensemble.
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Trabalhar o linho, cavar a terra, cegar erva à mão, levar as vacas a pastar, lavar roupa no tanque comunitário, moer milho, amassar e cozer broa no forno de lenha. Os labores em algumas aldeias ainda são o que eram há mais de meio século e este domingo foram representados no palco do cineteatro João Verde, em Monção, com gente da terra, músicos a tocar ao vivo e um documentário projetado em grande ecrã.
O espetáculo intitulado "Trilogia dos Vales" , resultou de um projeto que envolveu, direta e indiretamente, trezentos idosos que vivem isolados em territórios mais recônditos no concelho de Monção. Foi promovido em parceria pelo CLDS 4G Monção e pela Associação Cultural Rock"n"Cave, envolvendo o coletivo artístico Space Ensemble.
Nuno Alves, diretor artístico do projeto, evidenciou que "a realidade" retratada naquela iniciativa "é muitas vezes, atual". "Quem quiser saber como se vivia nos anos 50 e 60 em Portugal ainda está aqui visível. Não é bom nem mau, as pessoas são felizes assim, afirma, resumindo: "Quisemos mostrar o quão saudável é preservar estas coisas. A broa, inclusivamente, foi testada em palco. Trouxemos os recantos da aldeia e a realidade desta geração para o palco".
"Tudo o que eu aqui vi já o fiz muitas vezes, mas fazer o pão (broa), muita vez o fiz assim e ainda o sei fazer. Trouxe-me muitas recordações, mas o que me fez mais saudades foi o fazer o pão", comentou Maria dos Anjos de 80 anos, após assistir ao espetáculo.
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As primas Matilde Alves de 69 anos e Maria Moreira de 73, estiveram em palco. Uma a regar plantas no cenário, que representa uma aldeia, e outra sentada numa mesa com mais populares a jogar às cartas e a comer broa e chouriço. No final, Maria deixou-se ficar a comer "uma côdeazinha de pão". "Eu também cozia pão. Estava a mulherzinha acolá [no ecrã] a mexer na massa e eu a pensar: 'ai Jesus, que saudades de cozer pão'", afirmou, comentando que "a vida na aldeia ainda tem muitas coisas iguais, só que agora a gente é mais velhinha e mais fraquinha". E depois acrescentou: "Foi uma tarde muita bonita. Isto [o projeto] devia vir mais amiúde. Não era só uma vez ao ano".
Já a sua prima Matilde, fez questão de referir que gostou "de tudo [no espetáculo], de ver o filme, cantar" e principalmente de ver os seus animais representados no documentário. "As duas vacas grandes são minhas. Uma é a Linda e a outra a Cabana. Estavam todas babosas. A bem dizer sabiam que estavam a ser filmadas", disse, toda risonha.
Célia Rocha, coordenadora do CLDS 4G, manifestou-se satisfeita com o resultado final do projeto. "É de facto encantador e às vezes deixa-nos um pouco nostálgicos, mas fica a certeza que esta gente não vive mal. Vive muito bem, porque vive no contexto e no quotidiano que eles criaram".