As memórias e percursos de 41 migrantes estão a circular pelas freguesias de Arroios, Misericórdia e Santa Maria Maior. A exposição itinerante quer romper com o preconceito e a xenofobia, promovendo a integração de quem chega do estrangeiro.
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"Eu também pertenço a muitas dessas pessoas que vivem em Lisboa e que, por uma ou mais razões válidas, decidiram mudar. (...) Eu sentia necessidade de respirar algo novo. A minha história em Lisboa começa aqui".
As primeiras frases do diário de Federica Calvo marcam o início de uma história de amor por Lisboa. A jovem italiana mudou-se para a capital portuguesa, por "impulso, de coração", há três anos, para estudar Comunicação. Hoje, vive no mesmo quarto onde se sente em casa e é de Lisboa que tem partido à descoberta do mundo.
Federica é uma das autoras dos 41 diários de migrantes, construídos por pessoas oriundas de 19 países, como o Brasil, Venezuela, Colômbia, Cuba, EUA, Nepal, Bangladesh, Índia, Paquistão, Moçambique, Congo, Itália, Espanha, França, Irlanda do Norte, Polónia, Alemanha e Japão.
Os textos, áudios e vídeos foram construídos ao longo dos últimos meses, por migrantes e refugiados que vivem ou trabalham nos bairros da Mouraria, São Paulo e Anjos. Com o apoio de mediadores culturais, evocam memórias autobiográficas, com palavras, rostos e vozes que estão agora, em exposição itinerante pela cidade de Lisboa. Entre os diaristas, há mais mulheres (26) do que homens (15), para dar destaque à migração no feminino, porque "há comunidades em que as mulheres não têm tanta voz", assume Isabel Mões, uma das coordenadoras do projecto, apontando como exemplos, o Paquistão, o Nepal ou o Bangladesh.
De Bogura, no Bangladesh, chegou em 2020, Farhana Akter. Também se sentiu em casa, em Lisboa, até porque o clima é "muito semelhante" ao do país de origem. Nas notas do diário, Farhana descreve "memórias de infância, as pessoas e os cenários do Bangladesh" e copiou uma canção incluída no primeiro filme a que assistiu.
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Porém, nem todas as histórias são felizes.
"Recebemos a história de Usman", um rapaz que inicia a viagem no Paquistão, com 17 anos, e que passa por vários países. É uma das histórias "mais difíceis e traumáticas", recorda Clara Barbacini, outra coordenadora dos Diários de Migrantes. Ela, que é também migrante, revela que houve desistências. "Pessoas que até gostavam do projecto", mas por terem a vida num "caos", não conseguiam dar continuidade aos diários. Houve ainda quem não entregasse o diário, porque "o percurso foi tão traumático", conta Isabel Mões.
"Todos os diaristas escreveram na língua de origem", por exemplo em Bengali ou Urdu, sendo os textos traduzidos para Inglês e/ou Português. Os originais serão depositados na biblioteca de São Lázaro, "podendo ser consultados", e em 2023, será editado um livro, com uma tiragem nacional, "para levar o livro para muitos lugares e não ficar só em Lisboa", frisa Isabel Mões.
Até lá, os Diários de Migrantes estão em exposição na galeria do projecto Egeu, na freguesia de Arroios, até 1 de Novembro. Seguem depois, para o espaço Curious Monkey, na freguesia de Santa Maria Maior.
"Próxima estação, um arquivo para a migração" é o título da mostra, que inclui ainda encontros públicos com os autores dos diários. O próximo está marcado para dia 29 de Outubro, no Largo do Intendente. É uma Lisboa virada para o mundo, pelas vivências dos migrantes na cidade.