Diploma do governo chamado ao parlamento pelo PSD quer obrigar a que discussão seja feita, "não atrás de portas", mas de forma "audível e visível" para todos os cidadãos. Numa semana, é o segundo pedido de apreciação entregue pelos social-democratas numa nova estratégia política de fazer oposição decorrente da maioria absoluta.
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Diz o ditado que "se não vai Maomé à montanha, vai a montanha a Maomé". É esta a lógica aplicada pela oposição social-democrata ao entregar, esta terça-feira, um pedido de apreciação parlamentar do novo estatuto para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), o segundo pedido no período de uma semana.
Em declarações à TSF, o deputado Ricardo Baptista Leite nota que tendo em conta a visão que tem para o futuro do sistema público de saúde e "em mudanças tão profundas" como aquelas que o novo estatuto imprime, "no mínimo, deve haver uma discussão na Assembleia da República, um escrutínio por parte do órgão fiscalizador sobre aquilo que é o estatuto e, depois, a sua regulamentação".
Aliás, num mundo ideal para o PSD, "haver uma discussão de caminhos alternativos", assim haja abertura da parte da maioritária bancada socialista. Mas, logo em seguida, o também vice da bancada do PSD, conclui que, "até ao momento, não houve sinais nesse sentido". "O primeiro-ministro deu indicação, com a saída de Marta Temido, de que não estaria disponível para mudar de rumo, para mudar de políticas, entende que apesar do caos que se vive na saúde, deve continuar tudo como está", lamenta o parlamentar.
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Com uma visão que vai "num caminho diametralmente oposto", o PSD dá entrada deste requerimento para uma apreciação parlamentar ao diploma para "obrigar que esta discussão seja feita, não atrás de portas, não atrás de uma cortina de fumo, mas de forma audível e visível para todos os portugueses poderem participar".
Deixando um apelo ao novo ministro Manuel Pizarro e a António Costa para que se "dê um passo atrás no sentido de reconhecer que houve falhas, que o caminho estava errado, que estes sete anos levaram a esta situação difícil de listas de espera, de faltas de médicos de família, de fuga de profissionais e de quebra na qualidade da saúde", Ricardo Baptista Leite até vê que esta discussão em sede parlamentar pode ir "no interesse da própria maioria absoluta".
"O governo vai ter quatro anos para implementar um conjunto de reformas, se tiver vontade de o fazer, tem aqui uma oportunidade de poder incorporar as visões dos vários partidos e também de podermos auscultar a sociedade civil, não só os profissionais de saúde, as associações de doentes e outros cidadãos que tenham uma palavra a dizer sobre a construção futura de um património que é nosso como país e que é o SNS", vinca o deputado.
O que preocupa mais o PSD?
Criticando o facto de desconhecer o desenho da regulamentação do novo estatuto, o deputado do PSD considera "fundamental" que tal fique explícito, mas nota que, "daquilo que são os sinais que vão chegando", há pontos preocupantes na ótica social-democrata.
Desde logo, "a criação de mais uma direção executiva sem acabar com as administrações regionais de saúde". "Parece-nos que estamos a criar mais camadas sobre camadas de burocracia, de processos de decisão, quando deveríamos ir no sentido exatamente inverso de garantir maior autonomia no processo de decisão, de menor burocracia naquilo que é a agilização do sistema de saúde como um todo, e de uma visão descentralizada que permita que se possa recorrer a outros meios, além do serviço público de saúde, que possa haver parcerias, por exemplo, com instituições particulares de solidariedade social e outras instituições para responder às necessidades efetivas no terreno em cada contexto, em cada circunstância, tendo o SNS como pilar central", destaca à TSF.
Além disso, há a questão relativa ao modelo de gestão e de financiamento que o PSD entende que não vai premiar os melhores resultados em saúde. "Quando falamos de resultados em saúde não estamos a falar de mais consultas e mais cirurgias, é efetivamente os doentes estarem melhor, apresentarem melhores indicadores e bem-estar, face àquilo com que entraram no sistema público. Hoje nem sequer medimos esses resultados, muito menos podemos criar modelos de valorização e de incentivo nesse sentido", explica o parlamentar concluindo que há mudanças estruturais que lhe parece não estarem presentes e que o PSD considera vitais num processo de mudança como este.
Por fim, os profissionais de saúde, nomeadamente a questão das carreiras e os modelos de remuneração e incentivos. "Se queremos olhar a médio prazo, garantir a sustentabilidade e a qualidade do sistema de saúde, tem de haver uma mudança. A ministra Marta Temido e o governo, ao longo destes últimos sete anos, têm feito tudo nas costas dos profissionais, é preciso aqui uma mudança não só de política, mas também de postura. Exige-se as duas coisas ao PS que agora tem uma maioria absoluta", afirma.
Nova estratégia política?
Apesar de ser um instrumento recorrente, não deixa de ser relevante notar que, no período de uma semana, o PSD dá entrada a dois pedidos de apreciação parlamentar, tendo o primeiro sido relativo ao diploma das pensões que tanta tinta tem feito correr na imprensa. É apenas uma nova estratégia ou não confiar no juízo feito em Belém por Marcelo Rebelo de Sousa?
Sobre o Presidente da República, Ricardo Baptista Leite não diz uma palavra, apenas reconhece que "houve uma mudança de circunstância do ponto de vista da orgânica do parlamento por via da maioria absoluta".
"O governo, como tem uma maioria absoluta, entende que tudo o que pode fazer a partir do governo, nem sequer tem de dar ao trabalho de falar com os partidos da oposição, não tem de vir ao parlamento, no fundo, sujeitar-se ao escrutínio democrático que estaria presente antes, por força de uma orgânica em que não tinha uma maioria absoluta", complementa o deputado sublinhando que essa é a maior mudança.
Conclui o parlamentar que, da parte do PSD, é assumida "essa proatividade" de sempre que entenderem "que o governo está a fazer algo que não é visível para todos os portugueses, que o parlamento tem uma palavra a dizer ou que o PSD tenha uma visão alternativa", não vão deixar de chamar esses diplomas para a Assembleia da República de modo a alargar o debate.