"PSD sempre defendeu reforço parlamentar." Presença de Costa na AR divide sociais-democratas
Pedro Rodrigues, pelos sociais-democratas, manifesta uma "profunda discordância" da posição de Rio, que considerou que a presença do primeiro-ministro deve limitar-se a uma comparência de dois em dois meses.
Corpo do artigo
Pedro Rodrigues sublinha que a proposta do Partido Social-Democrata, "assumida pelo presidente do PSD, não foi discutida no partido nem no grupo parlamentar nem no conselho nacional do PSD e vai ao arrepio daquela que é a tradição" dos sociais-democratas. O deputado acredita que limitar as presenças do primeiro-ministro na Assembleia da República vai diminuir a capacidade de intervenção dos partidos mais pequenos e vai levar também a um menor escrutínio parlamentar da atividade política do Executivo.
O Parlamento português passaria a ser, entre os países europeus, um dos que teria menor escrutínio do primeiro-ministro e do Governo, pelo que Pedro Rodrigues se sente levado a "manifestar uma posição de profunda discordância, de princípio e em consciência".
TSF\audio\2020\07\noticias\23\pedro_rodrigues_1_pq_discorda_08h
Na perspetiva do social-democrata, a proposta defendida por Rui Rio choca com a ideologia primária do partido, que "sempre defendeu o reforço da democracia parlamentar, sempre defendeu uma maior intervenção do Parlamento na atividade de fiscalização política do Governo", bem como "altera "visão histórica do PSD e do património do PSD nesta matéria".
Além disso, Pedro Rodrigues critica a argumentação da proposta. O deputado do PSD escreve mesmo que é absolutamente contraintuitivo e bizarro que o Parlamento abdique de escrutinar um Governo cuja legitimidade radica precisamente no Parlamento.
Salienta Pedro Rodrigues que a proposta de Rui Rio radica numa ideia de diminuição da dignidade do Parlamento e dos deputados que é absolutamente inaceitável. "A alteração de posição não é minha, é do presidente do PSD, que a tomou sem discutir com o grupo parlamentar e conselho nacional", garante.
Se os debates quinzenais forem substituídos pelos debates de dois em dois meses, a democracia ficará mais pobre, com menos transparência e uma menor qualidade de governação, alerta ainda o antigo líder da JSD.
Pedro Rodrigues lembra que o PSD sempre se pautou pela defesa e valorização do Parlamento. Por isso, considera o deputado social-democrata, esta proposta resulta apenas de uma convicção pessoal de Rui Rio, que vai contra a tradição e o ideário de PSD de Sá Carneiro. Daí a profunda discordância, de princípio e de consciência, de Pedro Rodrigues.
O deputado avisa ainda que no que diz respeito a este tema não deve haver uma concertação no sufrágio. "Nesta matéria não deve haver disciplina de voto. Não se tratando de matérias relacionadas com o Orçamento do Estado, com moções de confiança ou de censura, não se deve aplicar a disciplina de voto." Pedro Rodrigues pediu, então, na quarta-feira um esclarecimento à direção do grupo parlamentar.
TSF\audio\2020\07\noticias\23\pedro_rodrigues_2_liberdade_de_voto
"Anunciarei o meu sentido de voto, primeiro na bancada parlamentar e depois publicamente. Mas não me passa pela cabeça outra coisa que não seja que um partido com a tradição do PSD adote a liberdade de voto."
Para Pedro Rodrigues, o PSD ainda vai a tempo de inverter o processo, e "seria muitíssimo desejável que se pudesse mudar de ideias, seria um tremendo serviço que fariam à democracia e para aqueles que acreditam que é necessário introduzir maior transparência e responsabilidade na atividade política". Em conclusão, o social-democrata diz esperar que impere o bom senso, até porque, acredita, "a maioria não votará junto das direções".
Hugo Soares vê com "mágoa" que PSD impulsione "retrocesso democrático"
O antigo líder parlamentar do PSD Hugo Soares manifestou também "mágoa" por ver o PSD "não apenas conotado mas como o impulsionador" do fim dos debates quinzenais com o primeiro-ministro, alteração que classificou como "retrocesso democrático".
"Infelizmente não é preciso ir à Hungria ou à Polónia, de quem por estes dias tanto se falou, para ver como a maturidade democrática é desafiada pelo populismo mais irresponsável", criticou Hugo Soares, numa posição escrita enviada à Lusa.
Para o antigo deputado social-democrata, o fim dos debates quinzenais com o primeiro-ministro, aprovado na especialidade apenas por PS e PSD e que irá esta quinta-feira a votação final global em plenário, significa "um retrocesso democrático que menoriza o parlamento e as instituições".
"Que António Costa e o PS caucionem o fim dos debates quinzenais não me causa estranheza, mas é com mágoa que vejo o PSD não apenas conotado, mas como o impulsionador deste retrocesso democrático", referiu.
Para Hugo Soares, esta alteração ao regimento da Assembleia da República, "com o alto patrocínio do designado bloco central, não se compagina com a maturidade" da democracia portuguesa.
"Perdendo-se uma oportunidade de rever o regimento, encontrando instrumentos que aproximem eleitos de eleitores e sobretudo aumentem o escrutínio do Governo e a dignificação do exercício da função do órgão de soberania Assembleia da República, PS e PSD atuam em conluio para fazer exatamente o contrário", acusou, considerando que "os protagonistas dos dois partidos esquecem-se que os partidos, como a democracia, não têm donos e os seus representantes são circunstanciais".
Hugo Soares, que foi líder parlamentar do PSD entre julho de 2017 e fevereiro de 2018 e protagonizou alguns debates quinzenais com o primeiro-ministro António Costa, classificou este instrumento como "o maior momento de escrutínio e fiscalização do poder executivo".
"Os debates quinzenais, como momento de interpelação direta e sem mediação dos eleitos pelo povo ao primeiro-ministro, são um momento de democraticidade plena e salutar combate político donde devem resultar as posições e alternativas políticas", defendeu.
Na nota, Hugo Soares acusa António Costa de "já hoje não respeitar o Parlamento", dizendo que o primeiro-ministro "não responde a nada do que lhe é perguntado e rebaixa toda a crítica da oposição".
"Mas até por isso é incompreensível que o parlamento prescinda de fiscalizar e interpelar frontalmente o Governo", lamentou.
PS e PSD aprovaram na terça-feira, com votos contra dos restantes partidos, um texto comum a partir das propostas de socialistas e sociais-democratas que termina com o modelo de debates quinzenais em vigor há 13 anos, tornando a presença do primeiro-ministro obrigatória no Parlamento para responder sobre política geral apenas de dois em dois meses.
O texto aprovado, que deverá entrar em vigor a 1 de setembro, cria um novo modelo de debates mensais com o Governo: num mês, com o primeiro-ministro sobre política geral e, no seguinte, sobre política setorial com o ministro da pasta.
O BE anunciou que vai avocar esta quinta-feira para plenário os artigos relativos aos debates com o primeiro-ministro e pelo menos dois deputados do PSD, a líder da JSD Margarida Balseiro Lopes e Pedro Rodrigues, já anunciaram que votarão contra esses artigos e apelaram ao levantamento da disciplina de voto, alegando que o assunto nunca foi debatido no grupo parlamentar.
Hugo Soares deixou a liderança da bancada do PSD em fevereiro de 2018, depois de o presidente do partido, Rui Rio, lhe ter manifestado o desejo de trabalhar com outra liderança de bancada.
Nas diretas de janeiro, apoiou o também antigo presidente do grupo parlamentar social-democrata Luís Montenegro e tem estado em silêncio desde o Congresso do partido.
* com Catarina Maldonado Vasconcelos e Lusa