"Quando tenho a bola, esqueço tudo". O jogo que mudou a vida a um jovem em risco
A vida de Elton Afonso já deu muitas voltas. Saiu de São Tomé e Príncipe em 2003 e acabou num lar da Santa Casa da Misericórdia em Lisboa. Tudo mudou quando foi parar ao râguebi por acaso.
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É hora do treino no Clube de Rugby do Técnico. A equipa sénior A está no balneário a vestir a camisola azul e branca do clube. Elton Afonso, 21 anos, já está equipado. A viagem pelo mundo da modalidade começou há cerca de quatro anos. Antes tentou o futebol mas rapidamente percebeu que o jogo era outro. "Acho que faz parte de mim. É a única coisa que encontrei [em] que me sinto bem. Posso dizer que consigo fazer aquilo e percebo aquilo, contou.
No râguebi é conhecido como o homem que corre e placagens é com ele. "Sempre a placá-los. É quase como brincar à apanhada."
Gonçalo Faustino, colega e capitão de equipa, fala de um Elton "intenso" durante os jogos e recorda que existe um antes e depois do râguebi. "Eu lembro-me do Elton quando chegou. Era uma pessoa muito mais introvertida do que é hoje. Hoje em dia já não tem nada a ver. É uma pessoa muito mais dada, gosta da equipa".
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A vida antes do râguebi
O espírito de equipa tem ajudado Elton a integrar-se no Clube de Rugby do Técnico e a fazer um dia a dia normal. É que o percurso do jogador nem sempre foi fácil.
Deixou São Tomé e Príncipe em 2003 e, devido a problemas familiares, acabou por ficar aos cuidados da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). Tinha 16 anos. "Foi difícil, eu não falava muito, estava sempre no meu cantinho. Demorou, levou anos. Três ou quatro anos para voltar a falar com eles. Não falava esses dias", recordou.
Mário Martins, educador social responsável por Elton Afonso, explica que a chegada às casas de acolhimento da SCML "são sempre momentos difíceis e de rutura, às vezes muito complicados".
Depois dos lares da Santa Casa alguns jovens seguem para os apartamentos de autonomização. Foi o caso de Elton que hoje partilha uma casa da Misericórdia com outros dois colegas. "Está a ser melhor que antes. Faço as coisas como eu gosto. Tenho mais privacidade, mais tranquilidade como sempre gostei. Nada de confusão".
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Elton Afonso recorda que passar para um apartamento de autonomia foi importante para cumprir os sonhos de vida e aprender a fazer uma vida normal. "Pensava que estava perdido. Pensava que quando chegasse aos 18 me tiravam da Santa Casa e ia-me desenrascar. Afinal não, me deram mão, me apoiaram. E arranjaram um sítio para mim".
A SCML tem nove apartamentos de autonomização em Lisboa que apoiam cerca de 30 jovens. Mário Martins explica que o objetivo é ajudar na transição entre a instituição e o mundo real. "Há um processo de avaliação que procura perceber se os jovens têm ou não características para passarem de um local onde estão técnicos em permanência para uma casa normal, num prédio normal onde há outros jovens e não há técnicos em permanência".
Os educadores sociais estão sempre presentes para ajudar em qualquer problema ou até para dar uns puxões de orelhas a quem não está a cumprir o horário das limpezas.
Da cozinha para o campo de râguebi
Elton tem uma rotina atarefada. Depois do curso profissional em cozinheira e pastelaria, arranjou trabalho como cozinheiro no Altis Grand Hotel em Lisboa. Com tem treinos três vezes por semana, muitos dias terminam no campo do Técnico nas Olaias. "É possível que continue a jogar e a trabalhar ao mesmo tempo. Às vezes apetece-me desistir mas continuo", confessou. Garante que só continua a jogar porque o râguebi é uma paixão. "E [é bom] saber que sirvo para alguma coisa, pelo menos isso".
José Caupers, diretor da equipa dos seniores A, explica que "tenha o adversário o tamanho e peso que tiver, ele consegue pegar nele e pô-lo fora de campo e placá-lo".
O técnico admite que o valor de Elton enquanto jogador se revela em pleno durante os jogos. "Tem um clique e parece que fica mais rápido, fica mais forte. Ele, em campo, dá o melhor e tudo o que tem para dar".
Para Elton basta que o râguebi o continue a fazer feliz. "Só jogo para divertir. Jogo é jogo, é mesmo prazer. Quando tenho a bola, esqueço tudo".