Quarenta anos do acidente ferroviário de Alcafache: “Quando chegámos ao local já estava tudo a arder"
Entre as vítimas do acidente estão o pai e a irmã de Augusto Sá. Os corpos nunca foram encontrados. “A amargura de não fazer o luto do corpo em si é sempre, e continua a ser, doloroso. É um vazio que a gente tem cá dentro, que é indescritível.”
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Foi a 11 de setembro de 1985 que, na Linha da Beira Alta, chocaram frontalmente um comboio Sud-Express, com destino a Paris, e um regional, que seguia para Coimbra. O número certo de vítimas é ainda hoje incerto, mas estimado em 150.
Abel Figueiredo tinha 26 anos. Era bombeiro em Nelas e naquela tarde estava num incêndio em Mangualde. Assim que receberam a comunicação feita por uma ambulância de Aguiar da Beira, que ia a passar pelo local do embate, o “fogo ficou” e seguiram para Nelas.
Quando chegámos ao local já estava tudo a arder. Era só pessoas a berrar e depois foi tentar salvar aqueles que, pelo menos, cá estavam fora.
Segundo o bombeiro, hoje com 66 anos, ainda tentaram entrar em algumas carruagens, mas as duas principais já estavam a arder. “Nem com as mangueiras conseguíamos apagar. O calor era tanto, o material a arder era tanto, que não se conseguia apagar nada”, sublinha.
O choque entre os dois comboios deu-se em Alcafache, poucos minutos depois das 18h30, entre as estações de Mangualde e Nelas. O Sud-Express, com cerca de 400 passageiros, tinha como destino Paris e o regional ia para Coimbra.
“Aquilo que eles dizem é que foi falta de comunicação” entre as estações, lembra Luís Abrantes, bombeiros de Canas de Senhorim, que esteve também nas operações depois do acidente.
Na altura, com 22 anos e bombeiro há quatro, Luís reconhece que não estava preparado. “Era bombeiro muito novo, nunca tinha tido assim uma situação, mas, como se diz, estamos preparados para quase tudo. Na hora a gente faz, vai, depois é que sofre o impacto, passado um dia, dois ou três é que começa a fechar a ficha e diz 'mas isto foi mesmo uma coisa impressionante'.”
O presidente da Comissão Organizadora Movimento Acidente Ferroviário de Alcafache, Augusto Sá, diz que o número de mortos “ainda está por definir” e assim vai continuar, “porque naquela altura não havia o registo certo de quem embarcava”.
“O número que apontam como mortos deste acidente - que há várias versões entre 40 ou 50, mas também apontam para 64 -, foi atribuído aos óbitos, porque relativamente aos corpos padecidos dentro das carruagens carbonizadas é um número que realmente não se pode constatar”, diz.
Entre as vítimas do acidente estão o pai e a irmã de Augusto Sá. Os corpos nunca foram encontrados. “A amargura de não fazer o luto do corpo em si é sempre, e continua a ser, doloroso. É um vazio que a gente tem cá dentro, que é indescritível.”
No memorial às vítimas, no local do acidente de há 40 anos, este domingo, será inaugurada uma pequena capela com a imagem de Nossa Senhora dos Emigrantes. Para o local foi ainda, segundo Augusto Sá, “idealizado uma estrutura básica de um protótipo a desempenhar uma carroçaria onde apoia as carruagens”. “É um produto representativo da CP”, acrescenta o presidente da Comissão Organizadora Movimento Acidente Ferroviário de Alcafache, que tem promovido as homenagens anuais.