"Quebra de confiança política." Administração do Hospital de Viseu demite-se após declarações da ministra da Saúde
Ana Paula Martins criticou os gestores hospitalares alegando que o país tem lideranças fracas nos hospitais
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O conselho de administração do Hospital de Viseu demitiu-se, esta quinta-feira. Em comunicado, a direção diz que não tem condições para continuar o mandato depois das declarações feitas pela ministra da Saúde, na quarta-feira, no Parlamento.
"As recentes declarações públicas da senhora ministra da Saúde, em sede de audição parlamentar ocorrida no dia de ontem, constituiu uma manifesta quebra de confiança política na atual equipa do órgão de gestão da ULSVDL", pode ler-se no comunicado assinado pelos administradores da Unidade Local de Saúde de Viseu Dão-Lafões, Nuno Duarte, Sandra Gil, Rita Figueiredo, Eduardo Melo e José Luís Gomes.
Em reação, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Xavier Barreto, realça o trabalho desenvolvido pela administração do hospital, lembrando que foi feito um grande esforço para não fechar serviços com poucos pediatras e num contexto difícil.
"Só têm sete médicos pediatras a assegurar noites. Fizeram um esforço recente de negociação pedindo a estes pediatras para não encerrar a maternidade, que mantivessem o apoio à maternidade e a urgências referenciadas, trazidas pelo INEM, as mais graves. Sabendo que não poderiam assegurar tudo tiveram de fazer uma opção e a opção foi não atender os doentes menos graves. Posso atestar que o conselho de administração, apesar das condições muito difíceis em que trabalha, fez um esforço para manter a urgência em funcionamento", explicou à TSF Xavier Barreto.
Ana Paula Martins criticou os gestores hospitalares alegando que o país tem lideranças fracas nos hospitais e responsabilizou a administração do Hospital de Viseu por não haver urgência pediátrica na unidade hospitalar desde o início do mês. Perante estas declarações, o conselho de administração entende que houve uma manifesta quebra de confiança política na atual equipa e, por isso, apresenta a demissão.
A ministra da Saúde disse, na quarta-feira, na Assembleia da República, que "não é aceitável ter em janeiro hospitais com profissionais já com o valor de horas extra anuais obrigatórias atingido".
Considerando que as lideranças em saúde são "fracas", a governante afirmou que "tem de haver escrutínio, tem de haver avaliação de desempenho para os gestores".
"Não basta que os administradores venham dizer que não têm condições. É preciso perceber de que condições precisam", sustentou Ana Paula Martins, sublinhando que "nestas unidades, três IPO e 39 ULS [Unidades Locais de Saúde], estão 15 mil milhões de euros de impostos dos portugueses".
Sobre as "lideranças fracas", considerou que há necessidade de atualizar a carreira de administrador hospitalar, que data de 1982.
"Precisamos de gestores cada vez mais aptos ao que é um SNS [Serviço Nacional de Saúde] moderno, mais tecnológico e que necessita de mais competências, não só de gestão sobre áreas de produção hospitalar, mas na área da mobilização de recursos humanos, na área das chamadas 'soft skills', das competências de relacionamento e gestão de conflitos e também nas de natureza financeira", afirmou.
A administração da Unidade Local de Saúde Viseu Dão Lafões ativou a 01 de março o plano de contingência, por falta de médicos, que implicou o encerramento exterior das urgências pediátricas de sexta-feira a domingo no período noturno.
Segundo a administração da ULSVDL, a saída de dois médicos e a chegada do período de férias "agravaram" a situação levando ao encerramento das urgências pediátricas, desde 01 de junho, todas as noites da semana, entre as 20h00 e as 08h00.
Numa carta dirigida aos profissionais a que a agência Lusa teve acesso, o conselho de administração lembra que foi "nomeado a 07 de março de 2024 para desenvolver um projeto complexo de integração das instituições de saúde".
Na missiva, a administração diz que, ao longo de três meses, trabalhou na "reorganização de estruturas, alinharam-se vontades e equipas para projetar o futuro" das ULS.
"As insuficiências de recursos e as limitações da autonomia de gestão continuaram a condicionar este Conselho de Administração que, no entanto, nunca se esquivou aos problemas", assume.
O conselho termina a carta, lembrando as palavras da ministra em sede parlamentar para justificar aos profissionais que considerou seu "dever apresentar hoje o pedido de demissão".
"Para facilitar a transição para uma nova equipa que possa liderar esta instituição em condições de perfeita articulação com a tutela", defende.
As duas cartas terminam de igual maneira, com o conselho de administração a afirmar que deixa funções "com a consciência tranquila e com a certeza de que o trabalho realizado fala" por os administradores.