A exposição "Os Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich", que conta as histórias de cidadãos nacionais vítimas da Alemanha nazi, é inaugurada sexta-feira no Centro Cultural de Belém.
Corpo do artigo
Um alfaiate de alta-costura. Uma mulher que pertencia à resistência francesa. O filho de um cônsul em Moçambique. São portugueses que estiveram em campos de concentração e centros de trabalhos forçados durante o III Reich, apesar da neutralidade de Portugal durante a II Guerra Mundial.
Uma equipa internacional de investigadores rastreou cerca de 300 portugueses vítimas da ideologia nazi e descobriu que muitos cidadãos nacionais foram enclausurados em campos de trabalhos forçados para alimentarem a economia alemã durante a II Guerra Mundial.
TSF\audio\2017\11\noticias\16\16_novembro_2017_sara_de_melo_rocha_entrevista_fernando_rosas
"É preciso mão-de-obra para substituir os homens que vão para a guerra", conta Fernando Rosa, coordenador de uma equipa internacional composta por Cláudia Ninhos, António Carvalho, Antonio Muñoz, Ansgar Schaefer e Cristina Clímaco, que examinou arquivos na Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Portugal.
Muitos portugueses apanhados pela máquina nazi alemã são emigrantes recrutados pelos serviços de mobilização em França mas também "portugueses prisioneiros de guerra, membros do partido comunista francês, redes de resistência antinazi, presos por atividades políticas e presos associais, ou seja, os ladrões, os homossexuais. Metiam tudo isso no mesmo bloco", explica Fernando Rosas.
O alfaiate das SS e o suposto comunista
A equipa de investigadores rastreou cerca de 200 prisioneiros de guerra portugueses e outros 100 "quer em campos de concentração, quer em campos de prisioneiros para presos comuns", detalha Rosas.
"Todos os portugueses, a maior parte deles, vão morrer. De tuberculose de doenças várias, de esgotamento, de espancamento, talvez alguns até mesmo executados", conta o historiador, sublinhando que alguns portugueses conseguiram sobreviver aos campos.
É o caso de José Nunes Pinto, um alfaiate de alta-costura, casado com uma francesa que é preso como soldado da Legião Francesa.
"Como é alfaiate começa a fazer os vestidos das mulheres dos oficiais das SS que guardavam o campo. Isso valeu-lhe até sair antes do tempo. Estabelece-se transitoriamente em Paris mas não fica lá. Vem para o Porto onde abre a primeira casa de alta-costura nos anos 50 e é um homem que é muito conhecido por isso", revelou Fernando Rosas.
As histórias destes portugueses vão estar numa exposição que estreia sexta-feira no Centro Cultural de Belém.
Lá está também o caso de Francisco Ferreira, que emigrou com a família para França nos anos 20. "Alistou-se no exército francês. Foi internado num Stalag [campos de prisioneiros de guerra]. Depois foi solto e preso novamente pela Gestapo na sequência de uma denuncia de um contramestre, que confundiu a condecoração de guerra que tinha com um emblema comunista", conta o historiador.
A passividade do Estado Novo
Durante a pesquisa, a equipa encontrou "algumas interferências pontuais no que respeita a emigrantes portugueses que são levados à força ou que, não tendo sido levados à força, depois não conseguem sair da Alemanha" por parte do Estado Novo mas são poucas as provas de uma verdadeira vontade de Portugal ajudar os portugueses vítimas da Alemanha nazi.
"O ministro dos negócios estrangeiros é Salazar em pessoa", lembra Rosas, referindo que não se conhece nenhuma "diligência diplomática significativa do governo do Estado Novo" em prol dos portugueses internados nos campos de concentração.
Rosas lamenta que a esta realidade tenha sido "apagada e foi apagada até aos dias de hoje", explicando que a investigação que conduziu pretende "trazer à luz do dia a história desta gente, como é que eles foram lá parar".
O historiador garante que ainda há muito trabalho a fazer, sobretudo porque a equipa ainda não conseguiu pesquisar os arquivos da Bélgica, de onde partiram muitos trabalhadores.