Estudo financiado pela UE e coordenado pela TIAC conclui que os bancos até cumprem a lei em Portugal, mas advogados e imobiliárias parecem ignorar regras para evitar branqueamento de capitais.
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Um estudo feito em Portugal pela associação Transparência e Integridade (TIAC) sobre "Beneficiários Efetivos e Transparência Fiscal em Portugal: Fiscalização e Supervisão" conclui que são muitas as falhas na aplicação da Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, publicada em 2008.
Os bancos até a aplicam bem e comunicam operações suspeitas, acima de determinados valores definidos pela legislação, mas o maior problema está nos advogados e imobiliárias que não cumprem, em geral, com as obrigações a que também estão sujeitos.
É aliás fácil encontrar sites que ensinam os compradores de casas caras a melhor forma de pagarem menos impostos em Portugal com recurso a empresas estrangeiras em zonas com impostos mais baixos ou mesmo offshores.
Por exemplo, um empreendimento em Vale de Lobo que explica que quem compra ali propriedades o faz com frequência através de empresas com sede no Delaware (EUA) ou Malta, com regimes fiscais bem mais favoráveis. Mas a primeira vantagem apresentada para comprar uma casa através de uma empresa é o "anonimato".
O exemplo anterior é citado pela TIAC, mas uma busca permite encontrar vários outros sites que explicam como pagar menos impostos, ficando isento do IMT, além de sigilo sobre o verdadeiro dono da propriedade que fica 'escondido' atrás de uma empresa.
Advogados e imobiliárias são preocupação
Na prática, se a Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais funcionasse corretamente, comprar uma casa em Portugal de forma anónima não devia ser possível, ou pelo menos as imobiliárias deviam comunicar esses casos suspeitos. E essa é uma das falhas apontadas pelo relatório da TIAC coordenado em vários países pela Transparência Internacional e financiado pela Comissão Europeia.
O trabalho que será esta sexta-feira apresentado numa conferência sobre o tema em Lisboa, no ISEG, chega à conclusão que os bancos até cumprem de forma bastante razoável as obrigações a que estão sujeitos, nomeadamente porque são alvo de uma fiscalização apertada e já foram alvo de sanções pesadas.
Recorde-se que a Operação Marquês, que envolve José Sócrates, nasceu de uma transferência bancária suspeita comunicada por um banco às autoridades. E a última polémica à volta das offshores também surgiu porque os bancos comunicaram 10 mil milhões de euros de transferências para o estrangeiro que o Estado depois não fiscalizou como devia.
O problema, segundo Susana Coroado, a investigadora principal deste estudo, é que há muito mais entidades que deviam, por lei, cumprir e não cumprem as mesmas obrigações. Nomeadamente as entidades não-financeiras como casinos ou outros exploradores de jogo, mediadores imobiliários, advogados que fazem intermediação de negócios ou empresas de compra e venda de bens de luxo.
A fiscalização, segundo a especialista, é muito pouca, não há sanções para quem não cumpre e os números mostram isso mesmo, pois são residuais as comunicações destas entidades sobre movimentos suspeitos.
Susana Coroado recorda que "ninguém quer afugentar clientes" e nas entidades não-financeiras estamos "muito mal, nem há consciência que têm de identificar para as autoridades os clientes e as transações suspeitas".
A investigadora da Transparência e Integridade sublinha que é frequente aparecerem em investigações judiciais de branqueamento de capitais arguidos relacionados com imobiliárias ou advogados, mas os alertas destas entidades para situações suspeitas são escassos, apesar de, por exemplo, a compra de casas por estrangeiros estar em alta.
Susana Coroado diz que o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC) não tem meios para fiscalizar a ação das imobiliárias e, no caso dos advogados, a Ordem não revela números dos alertas que recebe, apesar de se saber que são muito poucos.