Reconhecer violência doméstica como crime público permitiu "mudar paradigma", mas respostas continuam "aquém do necessário"
Tanto a UMAR como a APAV insistem que os números alarmantes de femicídio em Portugal continuam a ser "alarmantes". Na TSF, as organizações pedem respostas mais eficazes. Já a Associação Sindical de Juízes Portugueses considera as atitudes apontadas pelo Conselho da Europa pontuais
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Há 25 anos que a violência doméstica é considerada um crime público, mas as respostas a estas situações ainda ficam “muito aquém daquilo que é necessário”, alertou esta terça-feira a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR). Também a Associação de Apoio à Vítima (APAV) alertou para o número de homicídios em contexto de violência doméstica, que continua a ser preocupante.
Ouvida pela TSF, a presidente da UMAR, Liliana Rodrigues, começou por sublinhar que “a violência doméstica como um crime público permitiu criar instituições, nomeadamente redes de prevenção”.
Para a responsável, “há uma viragem de paradigma na forma de pensar na resposta pública perante estas situações”. Ainda assim, falta “reconhecer este crime como um crime de alta relevância”, considerou.
Liliana Rodrigues notou ainda que, atualmente, a grande discussão em torno da violência doméstica está relacionada com a possibilidade do agravamento da pena e insistiu: “Continuamos a ter números alarmantes de femicídio em Portugal. É dos crimes mais violentos, de maior gravidade e, ainda assim, daqueles em que as respostas ainda ficam muito aquém daquilo que é necessário.”
O coordenador das equipas no terreno da APAV, Frederico Moyano Marques, também ouvido pela TSF, partilhou da mesma opinião e lembrou que só em 2024 foram registados 23 homicídios por violência doméstica.
“É um número muito objetivo e que nos deve preocupar muitíssimo. (...) Não está a baixar”, disse.
Frederico Moyano Marques reconheceu que tem existido muita formação na área, nomeadamente para os polícias. No entanto, “falta um pouco de mais prática no saber fazer e para um combate mais eficaz”, atirou.
Ambas as associações desafiaram o Governo a tornar a violência doméstica uma das prioridades do país.
No relatório sobre Portugal, divulgado esta terça-feira, o Grupo de Peritos Independentes do Conselho da Europa sobre a implementação da Convenção de Istambul (GREVIO) reconheceu que o país fez “progressos significativos” nos recentes anos na implementação de medidas concretas de combate à violência contras as mulheres. No entanto, entende que são “necessárias ações urgentes em certas áreas” de modo a cumprir plenamente a Convenção de Istambul.
"Essas atitudes patriarcais ou de proteção a existirem são casos muito isolados"
Para o presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, Nuno Matos, as atitudes patriarcais apontadas pelo Conselho da Europa podem existir, mas são casos "muito isolados".
"Tenho a certeza que a esmagadora maioria dos juízes aplica à lei de acordo com os princípios que lhe estão subjacentes", disse Nuno Matos, na TSF, sublinhando que "é evidente que há sempre espaço para melhorar".
O responsável retomou a questão da formação, considerando que "é necessário também ter um esforço de adaptação às novas realidades e àquilo que a comunidade também espera de quem aplica a justiça".
"As leis não são imutáveis. (...) Se calhar o crime de violência doméstica não é um crime com uma punição muito elevada, isso é uma realidade."
Questionado sobre uma possível mudança na lei, Nuno Mattos disse que "faz parte da discussão" e insistiu que o sistema não é imutável.
Notícia atualizada às 10h29
