Instituto de Apoio à Criança fala numa "realidade invisível" e apela à denúncia.
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Redes internacionais compram crianças e forçam-nas a mendigar em Portugal. Em declarações ao Jornal de Notícias (JN), o inspetor-chefe da PJ que lidera a brigada da Diretoria do Porto que investiga o tráfico de seres humanos, Sebastião Sousa, revela que as crianças são compradas aos pais por valores entre os mil e os dois mil euros nos países de origem.
Estas redes organizadas, sobretudo provenientes da Roménia e Bulgária, "perceberam que era mais fácil obter esmola se os pedintes fossem crianças e adolescentes grávidas ou com bebés de colo", por isso há também muitos casos de casamentos forçados.
"As vítimas são angariadas pela sua vulnerabilidade. São crianças, pessoas que padecem de algum tipo de psicopatologia ou debilidade cognitiva, consumidores de droga ou sem-abrigo, que ficam reféns da rede", acrescenta Marta Pereira, coordenadora nacional das respostas de assistência às vítimas de tráfico de seres humanos.
As crianças são deixadas de manhã junto a supermercados, igrejas, estações de transportes públicos, feiras ou locais turísticos e forçadas a pedir dinheiro a quem passa até atingir um valor mínimo, cerca de pelo menos 30 euros por dia, antes de serem recolhidas. "Quando não conseguem são castigadas fisicamente, privadas da alimentação e postas a dormir fora de casa", descreve Sebastião Sousa.
O JN conta a história de uma jovem romena que foi vendida pela mãe aos 10 anos, trazida para Portugal e forçada a casar com o filho do casal que a comprou. Violada, engravidou aos 13 anos e era obrigada a mendigar e furtar comida de supermercados todos os dias. Acabou por ser resgatada após cinco anos de trabalho doméstico equiparado a escravatura. É um dos 12 casos que em três anos chegaram ao Observatório do Tráfico de Seres Humanos, números que a as autoridades acreditam estar muito aquém da realidade.
Em declarações à TSF, Matilde Sirgado, coordenadora do Projeto Rua do Instituto de Apoio à Criança, explica que a mendicidade forçada é uma "realidade invisível".
"É mais complexo porque existe sempre um adulto por trás, sem escrúpulos, que explora, e torna-se menos visível. Nós consideramos que é uma realidade invisível. São crianças invisíveis que requerem a nossa atenção."
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A responsável lembra que o Instituto de Apoio à Criança tem uma linha telefónica que recebe denúncias e pede à sociedade civil que denuncie casos suspeitos através o número de apoio europeu 116000.
"Recebemos denúncias para que as crianças não tenham de ser submetidas a esse tipo de situação e fazemos uma intervenção integrada com as forças de segurança, porque é uma área com grande vulnerabilidade e grandes danos quer psicológicos, quer físicos", lamenta.
"Temos o dever de proteger [estas vítimas] de prevenir que situações como estas continuam a existir em pleno século XXI", apela.
Manuel Albano, coordenador da Rede Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos, acrescenta que a mendicidade forçada é difícil de provar.
"Temos que estar atentos, todos, individualmente e coletivamente, na denúncia de alguma situação que temos obrigação de denunciar."
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O tráfico humano é um crime público, lembra, "e envolvendo crianças ainda a mais.
O número de casos investigado é baixo mas "deverá estar aquém da realidade", admite Manuel Albano, que acredita ser difícil erradicar completamente a mendicidade forçada.