Regresso dos 25 dias de férias não é "urgente" para empregadores, mas sindicatos consideram "mais do que justo" e "para todos"
No Fórum TSF, Rafael Campos Pereira, da CIP, considera que a questão "não faz sentido neste momento", enquanto Tiago Oliveira, da CGTP, acredita que é uma "questão central", assim como a "valorização dos salários e a perspetiva de uma vida diferente para quem trabalha"
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A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) afasta a possibilidade do regresso dos 25 dias de férias ao sector privado e a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) pede cautela nessa hipótese, enquanto os sindicatos consideram que os mais três dias de férias já deviam ter regressado há alguns anos.
Na semana passada, em reuniões com sindicatos da função pública, o Governo admitiu pensar no assunto. O tema foi debatido no Fórum TSF e Rafael Campos Pereira, vice-presidente da CIP, lembra compromissos passados.
"A CIP nunca tem linhas vermelhas na discussão de quaisquer matérias que possam acrescentar valor àquilo que são as relações entre empresas e os seus trabalhadores. Agora, não nos parece que este seja uma medida que seja urgente e que faça sentido neste momento. Nós temos problemas de produtividade e a verdade é que nos acordos que fizemos com os sucessivos governos também houve um compromisso conjunto no sentido de tentarmos fazer aumentos de produtividade que pudessem acomodar aumentos também de direitos, de regalias e de salários aos trabalhadores", argumenta.
Pela CCP, o presidente, João Vieira Lopes, não tem nada a opor à partida, mas pede cautela: "Neste momento, no quadro da concertação social, está em negociação um conjunto de alterações à legislação laboral que implica horários e toda uma série de outros temas. Implica despedimentos, implica férias. Enfim, abrange um conjunto muito alargado de situações. Nesse quadro, nós pensamos que tem sentido isso poder ser considerado como uma negociação dentro desse pacote global, no sentido de equilibrar algumas coisas que os sindicatos consideram que são mais lesivas dos trabalhadores. Portanto, estamos abertos a encarar essa negociação no meio de tudo o que estamos a negociar. Agora, unilateralmente o Estado tomar decisões nesse sentido, eu acho que pode não ser positivo para o conjunto da economia."
Do lado dos sindicatos, a opinião é de sinal contrário. Há muito que os trabalhadores deveriam ter voltado a ter 25 dias de férias, mas Tiago Oliveira, líder da CGTP, não quer reduzir a discussão a este assunto.
"Nós não nos podemos deixar distrair. Esta questão é central. A questão da recuperação de dias de férias, a questão da valorização dos salários, a questão da perspetiva de uma vida diferente para quem trabalha são questões centrais, mas nós temos de olhar para aquilo que é o ataque na sua generalidade. E o ataque é muito mais do que isto. É um ataque profundo à legislação laboral, é um retrocesso enorme naquilo que são as condições de vida de quem trabalha e é um retrocesso que tem de ser combatido. A ministra e este Governo continuam a querer apresentar uma ou outra matéria como se estivéssemos a falar de avanços, quando estamos a olhar para um conjunto de matérias que, no seu global, são profundos retrocessos", considera.
Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT, concorda, mas afirma que é uma discussão bem-vinda: "Já vem tarde. Se vierem, já veem tarde, porque este foi um dos direitos que caíram com a troika, mas não foi só este. Também o pagamento justo do trabalho suplementar, as compensações por despedimento foram direitos que caíram e que nós estamos a reivindicar desde a troika para serem repostos. Eu relembro que a majoração de dias de férias já existiu no setor privado, como aqui foi dito e bem, condicionada à assiduidade e, nesse tempo, eu lembro-me que há estudos, em várias empresas fomentou a assiduidade, ou seja, foi benéfica, foi positiva para as empresas. Acabou no tempo da troika e nunca mais foi reposta. Portanto, o setor público está a negociar e obviamente terá de ser para todos os trabalhadores."
José Abraão, secretário-geral da Federação de Sindicatos da Administração Pública (Fesap), que faz parte da UGT, considera que se trata de um direito que tem de ser para todos.
"Nós, na administração pública, hoje temos milhares e milhares de contratos individuais de trabalho que se quiser, sendo funcionários públicos, porque não fazemos nenhuma distinção, regem-se pelas mesmas regras a que estão sujeitos os trabalhadores do setor privado. Para nós, setor privado e setor público, neste caso concreto, não existe. Existem trabalhadores, existem trabalhadores que têm direitos e existem trabalhadores a quem esses direitos foram retirados com a troika e é mais do que justo repor os três dias, pelo menos, para todos, porque somos todos trabalhadores e não é nossa convicção, como existe em alguns empregadores e algumas associações representativas de empregadores, que é pelo aumento do tempo de trabalho, por termos as pessoas mais tempo nos postos de trabalho, que se vai ganhar mais produtividade. Não", entende.
O mesmo pensa a presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, Helena Rodrigues: "Esta medida complementa aquilo que eventualmente falta em remuneração. Não podemos substituir uma coisa por outra, não devemos, mas é qualquer coisa que acrescenta. Portanto, parece-me que o Governo só fará essa análise - e para fazer uma análise que decida não vir ao encontro daquilo que as organizações sindicais propõem - terá com certeza uma resposta do porquê. Trabalhadores que vivam e estejam perfeitamente satisfeitos e integrados naquilo que é o seu posto de trabalho, que acabem por aumentar a capacidade de poder fazer melhor por aquilo que é a satisfação de mais três dias de férias, faz sentido."
João Cerejeira, professor da Universidade do Minho e especialista em questões laborais, sublinha que, sem dinheiro para aumentos no estado, as férias podem ser um elemento que pode ser negociado.
"À luz da proposta de Orçamento do Estado apresentada pelo Governo, não há muita margem de manobra para aumentar mais a despesa com os vencimentos dos funcionários públicos, ou seja, mantendo o objetivo de haver um superavit nas contas públicas, praticamente não há possibilidade de haver um aumento nos vencimentos superior àquilo que está previsto no orçamento. Isso quer dizer que as margens de negociação com os sindicatos da função pública ficam relativamente estreitas e acaba por ser uma forma de ter aqui algum elemento de negociação sem um impacto, pelo menos direto ou que possa ser quantificado, nas contas públicas", refere.
Para já, o Governo não assume qualquer compromisso, no que respeita à reposição dos três dias de férias, que os trabalhadores perderam no tempo da troika. O executivo promete apenas pensar no assunto.
