"Relojoeiro é uma palavra muito forte." A arte que está a perder mãos em Portugal
Para muitos, o relógio é uma peça de coleção. Para outros um objeto que marca uma lembrança. Ou é, apenas, um bem necessário para o dia-a-dia. Quem cuida deles, olha para a relojoaria como uma arte. Em Portugal, no entanto, são cada vez menos os que se interessam pelo ofício.
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Emanuel Costa é relojoeiro há mais de 25 anos. Na Maia, onde trabalha, não se vê qualquer vestígio de desarrumação.
A mesa de trabalho está meticulosamente organizada e com o material estritamente necessário. A ligação de Emanuel Costa à relojoaria começou quando ele ainda era menor de idade. "Comecei com 16 anos. Um representante que tinha uma empresa convidou-me para trabalhar com ele. Precisava de um miúdo e eu fui".
Logo no início percebeu que a arte que escolhera era um mundo fechado, entre os mais antigos, "há um velho ditado que eles usam... que diz não ensines tudo, senão amanhã ele sabe mais que tu".
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A destreza e o empenho que foi demonstrando levaram-no a subir degrau após degrau. Nem sempre foi fácil, porque a solução de um problema nunca lhe era oferecida.
"Eu tinha que pensar. No meu tempo era isso que mais me custava. Às vezes entrava em desespero porque não conseguia perceber por que é que o relógio não estava a funcionar, ou por que é que não fazia aquela função, e mandavam-me pensar. Claro que isso era a parte mais difícil".
Emanuel Costa já perdeu a conta às formações, que frequentou em marcas de alta relojoaria, na Suíça, onde já viveu durante cinco anos. Regressou a Portugal, por motivos pessoais, e hoje é ele quem dá formação. Aos poucos que manifestam interesse.
"Temos falta de técnicos, é difícil convencer as pessoas virem para este mundo. A maioria quer um computador, estar numa secretária e ter um diploma. Mas se calhar ganhamos muito mais. Mas como é uma área diferente há poucos interessados".
Elói Alves frequentou o único curso existente em Portugal, na área da relojoaria. Depois de concluir o ensino profissional, em Lisboa, na Casa Pia, veio para a Cinco em Ponto, na Maia.
"No décimo ano optei pela área de ciências e tecnologias, mas depois vi que não era aquilo que eu queria. O meu irmão já era relojoeiro e desafiou-me. Aqui estou eu e isto está a superar as minhas expectativas".
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Emanuel Costa supervisiona a evolução dos jovens que tem a seu cargo, e que são mais de uma dezena. Ser relojoeiro é um caminho longo que Rita e Sofia estão a percorrer, dando assim continuidade à formação básica que receberam num curso de ourivesaria. A disciplina de relojoaria seduzia-as. Sofia Silva não sonhava ser relojoeira.
"Foi uma vocação inesperada, mas de um momento para o outro apaixonei-me. Agora não me vejo a fazer outra coisa".
Ricardo Sousa é administrador da empresa e tem lutado pela criação de um curso de relojoaria no Norte do país, para reter em Portugal quem aprende.
"Normalmente vamos buscá-los lá fora. Curiosamente são quase sempre portugueses, que inicialmente têm formação em Lisboa. Vão para fora e depois regressam. Ou pelo menos tentamos conseguir captá-los".
Emanuel Costa vai continuar o resto do dia no seu gabinete. Não lhe falta trabalho, nem necessidade de concentração. Não raras vezes fecha a porta e coloca auscultadores para estar longe, na proximidade dos colegas.
Sem se imaginar noutra profissão afirma que gosta do que faz, sente-se parte de uma arte, mas não se atreve a dizer que é relojoeiro.
"Acho que ainda não. Relojoeiro é uma palavra muito forte neste meio. Técnico de relojoaria sim, sou...".
Relojoeiro é sinónimo de perfeição, para Emanuel Costa. A mesma palavra que marca o trabalho que faz, que é minucioso e manual. "Embora tenhamos algum equipamento que nos ajuda e que facilita a vida para detetar o problema que o relógio tem, a verdade é que tudo o resto é manual".
Emanuel Costa tem o sonho de continuar a aprender. Obter o diploma dourado, o mais cobiçado, é o seu objetivo. Até lá vai dando mais tempo que vida a relógios. Um objeto que não faz parte do seu quotidiano. Apesar de viver de e para os relógios, Emanuel prefere destrinçar os casos mais complicados e assim continuar.