Reportagem TSF. Alunos de música do Conservatório Nacional têm aulas em instalações "deploráveis" desde 2018
Os pais e alunos da escola de música do conservatório nacional pedem obras profundas nas instalações temporárias em Belém, onde a instituição funciona desde que começaram as obras no Bairro Alto. Os alunos ensaiam em salas frias, com pouco aquecimento e a comunidade escolar relata ainda problemas na canalização. A falta de isolamento sonoro "perturba o funcionamento de algumas aulas".
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A casa é emprestada, mas há já mais tempo do que todos esperavam. Quem passa em Belém precisa de muita atenção para perceber que para lá dos portões da Escola Secundária Marquês de Pombal funciona também uma instituição secular na formação musical. É na zona de antigas oficinas da escola que desde 2018 funciona toda a máquina da Escola de Música do Conservatório Nacional. Quando começaram as obras no histórico edifício do Conservatório na rua dos Caetanos, no Bairro Alto, esta área da Marquês de Pombal foi adaptada para receber as mais de três centenas de alunos.
Quando começou a empreitada, as obras tinham um prazo estimado de 18 meses e alunos, professores e funcionários contavam ficar por Belém durante dois anos. Mas, adiamento atrás de adiamento, já lá vão cinco anos e as soluções temporárias já mostram fragilidades "difíceis de resolver". Ainda não passámos os portões da Secundária Marquês de Pombal, e já se ouve o som dos trompetes. À medida que caminhamos e chegamos cada vez mais perto dos pavilhões que albergam atualmente esta escola do Conservatório Nacional, percebemos que a música soa mais alto porque tem origem num outro espaço que está na rua: uma tenda.
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O desenrasque perante a falta de salas
Esta é uma tenda branca, feita de um material que faz lembrar uma tenda do circo, mas numa dimensão retangular e mais reduzida. O que faz uma tenda como esta no meio do pátio de uma escola? Sara, antiga aluna do Conservatório, ajuda a explicar a história. "Havia muitas queixas de alunos de faltas de sala. Chegámos a estudar na rua porque não havia salas. Essa era uma das maiores preocupações dos alunos. Então, no Orçamento Participativo da escola, essa foi uma das opções a ir a votação e acabou por ser a escolha da maioria", explica a jovem que em setembro terminou o Secundário no Conservatório.
Um espaço polivalente, que "já serviu como auditório ou sala de espetáculo". Nesta tarde fria de janeiro, serve de local de ensaio para Francisca, Gabriel, Patrícia e Diogo, que vão afinando os últimos detalhes antes da aula de música de câmara de trompete. O sopro na dose certa é fulcral para que estes jovens consigam dominar o instrumento, e para isso precisam de estar o mais confortável possível. "Perante o frio, não temos outra solução a não ser estarmos todos encasacados", explica Francisca. A chuva também já surpreendeu quem por cá ensaiava. "Estavam muitos alunos na tenda, num ensaio de coro. E no fim do ensaio começou a chover. Estava na ponta da tenda e tive de ir mais para o meio para escapar à chuva", recorda Sara.
O ensaio dos trompetes continua, mas pelo resto da escola os ensaios de outros alunos multiplicam-se. Não há uma sala de convívio oficial, e o pátio na parte de trás da escola acaba por ser o local de encontro de alunos. Um espaço ao ar livre, onde nos últimos meses foram instaladas proteções de plástico nas quatro extremidades do pátio, para evitar que os alunos que lá estão sejam incomodados pela chuva.
João é aluno de percussão e aproveita os furos entre aulas para ensaiar e aprimorar a técnica. "Nem sempre temos salas e por isso temos de encontrar maneiras diferentes de estudar. Por isso arranjámos uma esponja absorvente, colocamo-la em cima da mesa e assim podemos ir treinando a técnica e o ritmo sem fazer tanto barulho e sem incomodar as aulas que estão a decorrer nas salas aqui perto", explica. Apesar de tentar reduzir ao mínimo possível o ruído, nem 10 minutos passaram e um professor já bate na janela de uma das salas que está mesmo ao lado do pátio. "Tivemos de mudar de mesa. Já não vamos incomodar essa aula, mas vamos acabar por incomodar outra que esteja mais perto. Depois também depende um bocadinho da empatia de cada professor", admite o jovem.
Os extremos: do frio ao calor
Chega a hora da aula do quarteto de trompetes, e na sala os dois pequenos aquecedores a óleo que estão ligados não são suficientes para tornar a temperatura mais agradável. Francisca reconhece que tocar nestas condições torna-se um desafio ainda maior. "Estarmos num ambiente frio não ajuda nada. O ar que nós mandamos para dentro do instrumento é quente, e a mudança de temperatura dificulta. Depois também há outra questão, a agilidade dos dedos, porque acabamos por mexer os dedos muito rápido no meio deste frio. Conheço quem já tenha ficado com uma tendinite por causa disso". No verão, o cenário é o oposto, e o calor torna-se "insuportável".
Lilian Kopke é a atual diretora da Escola de Música do Conservatório Nacional. A responsável reconhece que "as condições não são as ideais", e uma rápida visita pela escola mostra uma outra fragilidade das instalações: a falta de isolamento sonoro. A maior parte das salas tem duas portas, mas o facto de muitas paredes serem de pladur faz com que nos corredores, e mesmo no interior das várias salas, se ouça com nitidez o que está a acontecer noutros ensaios noutros pontos da escola. Entramos na sala de música antiga, onde normalmente se ensaia instrumentos como o cravo ou a harpa. "São instrumentos muito sensíveis. Esta sala deveria ter isolamento total. A Parque Escolar colocou alguns painéis no teto, que é verdade que melhoram o som no interior da sala, mas não resolve em relação ao ruído que vem de fora", reconhece Lilian Kopke.
A professora Helena admite que dar aulas nestas condições complica o dia-a-dia dos professores. "Dou aulas a um instrumento antigo, com muito pouco som. Há dias em que aqui ao lado está um grupo de trompetes ou metais, e é impossível dar a aula. Às vezes estou com miúdos pequeninos, e acaba por ser exasperante. É complicado", desabafa a docente.
Obras de melhoria "já não são suficientes"
A diretora da instituição reconhece que a Parque Escolar tem dado uma resposta positiva aos pedidos de obra que têm sido feitos nos últimos anos. Mas, tantos anos depois de espera, Lilian Kopke diz que não há mais nada que se possa fazer. "Não posso fazer nenhuma melhoria sem autorização da Parque Escolar. É verdade que têm dado autorização, mas demora sempre muito tempo. É muito lento. Mas também não dá mais para melhorar nada. Não vale a pena exigirmos mais deste espaço porque já foi feito o máximo possível. Só se fosse deitar abaixo e construir tudo outra vez, porque não há mais nenhuma solução", afirma.
O apontar de fragilidades das instalações provisórias do Conservatório também se estende aos pais. Maria do Rosário passou pelo Bairro Alto e agora passa todas as semanas por Belém. Os seus dois filhos estudaram na Rua dos Caetanos, e agora é a vez da neta também estudar música nesta casa. Enquanto espera pelo fim das aulas da neta, admite que as instalações atuais são "deploráveis", e enumera as maiores fragilidades que identifica. "Estou gelada. Está imenso frio aqui dentro. Também há problemas com as casas de banho. Na das raparigas, várias estão avariadas e só está a funcionar uma. No caso dos rapazes, ainda é pior. Os rapazes até fazem fila à porta".
A associação que representa os pais dos alunos já têm chamado à atenção para o problema há vários anos. Cristina Carvalho, a presidente, reconhece que têm sido feitas "melhorias" por parte da Parque Escolar, mas realça que são necessárias obras mais profundas. "Não tem havido um investimento de fundo nas instalações temporárias. E numa primeira instância o responsável será o Ministério da Educação", sublinha.
Para quando o regresso ao Bairro Alto?
Lilian Kopke identifica um outro problema: a falta de funcionários. "Não há ninguém a vigiar os alunos, não há funcionários para isso. Mantiveram o número de funcionários que já havia na Rua dos Caetanos. Só que aqui as instalações são completamente diferentes, há um pátio que precisa de vigilância. Por mais que eu peça, que eu explique... Nunca tive resposta do Ministério da Educação. É verdade que a gestão dos funcionários é da responsabilidade da Câmara Municipal, mas a ordem de que são necessários mais funcionários têm de vir do Ministério da Educação", explica. A TSF já tentou obter mais esclarecimentos junto do Ministério da Educação.
A diretora da Escola de Música do Conservatório Nacional identifica como mais urgente a contratação de funcionários para assegurar o período da tarde, quando começam a chegar os alunos mais pequenos. "O que mais há por aqui ao final do dia é pais de alunos. Os pais têm de levar os alunos até às salas. É mesmo o limite. Os pais dos alunos trabalham no Conservatório, fazem o papel de assistentes operacionais. Os pais dos pequeninos fazem", reconhece a professora.
Adiamento atrás de adiamento, a comunidade escolar tem agora em mente uma nova data para regressar ao Bairro Alto. "O foco é acelerar as obras no Bairro Alto. Agora dizem-nos que podemos regressar em 2025. Mas tem de correr tudo muito bem. Não pode haver guerras, não pode haver falta de material. Há muitas variantes", reconhece a diretora.
À TSF, a Parque Escolar reconhece que há "um atraso na execução dos trabalhos". A empresa pública lembra que se trata de "um edifício classificado e centenário", e admite "a dificuldade na mobilização de meios humanos e materiais". A Parque Escolar recorda ainda que em junho do ano passado teve de ser suspensa a intervenção no Salão Nobre do edifício, depois da direção da escola ter alertado que as obras poderiam pôr em risco a acústica da sala, e garante que "continua a analisar a intervenção prevista para o Salão Nobre, tendo em consideração as condições iniciais, antes da intervenção, e as condições futuras, posteriores à conclusão da empreitada, com vista ao cabal esclarecimento das dúvidas técnicas suscitadas".
E os alunos e professores acreditam que 2025 vai mesmo ser o ano do regresso? "Já me conformei. Já aceitei a triste verdade de que vamos acabar aqui", diz João. "Em Portugal já estamos habituados a que as datas não se cumpram", acrescenta o professor Daniel. Com a vontade de regressar e, na maioria dos casos, conhecer mesmo uma nova casa, as aulas vão continuar, mas no pensamento destes jovens paira a ideia de que o presente e o futuro poderiam ser diferentes se o local onde estudam e ensaiam fosse outro.
"A música é parte do que mostramos ao resto do mundo. É importante sermos bons nisso. Mas para isso precisamos de ter condições para aprender em condições", resume João. "Temos colegas incríveis, músicos inacreditáveis. E se já há este nível de trabalho, talento e empenho, eu pergunto-me o que aconteceria se tivéssemos de facto condições", questiona Sara. Do lado dos pais, surge um convite. "Que venham ministros e membros do governo sentar-se na tenda, para ver se é assim que o Conservatório Nacional se apresenta ao mundo. Se é este o cartão das artes que Portugal quer passar ao mundo", sugere Cristina Carvalho.