Reportagem TSF. Medicina tradicional chinesa sacrifica “cinco a seis milhões” de burros por ano
João Brandão Rodrigues, especialista em asininos, e os seus Zimbro e Bolota dão rosto à defesa da espécie e do seu bom uso em trabalhos que envolvam tração animal, a partir de Paredes de Coura.
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Zimbro e Bolota, dois burros de raça Zamorano-Leonês de João Brandão Rodrigues, especialista no estudo e defesa da espécie a nível mundial, aproximam-se quando ouvem a voz do dono. A curiosidade é uma das características daqueles asininos, que vivem livres e soltos na Quinta da Cruz em Linhares, Paredes de Coura. Enquanto isso, pelo mundo fora, todos os anos, milhões de burros são sacrificados para alimentar uma indústria na China de produtos à base de gelatina extraída da pele dos animais. Está em causa o e-jiao utilizado na medicina tradicional chinesa e cuja procura a nível mundial tem aumentado.
O massacre de burros e mulas tornou-se uma preocupação à escala global e João Brandão Rodrigues, doutorado em saúde oral de asininos e único português que trabalha com a maior organização internacional de defesa da espécie, a Donkey Sanctuary, partilha dessa inquietação.
“Estamos a falar de uma indústria tão grande que as contas da organização para a qual eu trabalho estimam que a procura anual poderia rondar os cinco a seis milhões de animais”, comenta o especialista, referindo que, se “até há pouco tempo se dizia que os burros não estavam ameaçados de extinção, como espécie, hoje sabemos que existe que existe essa questão muito importante que tem a ver com o consumo da pele dos burros para um produto da medicina tradicional chinesa, que se chama e-jiao”. “Tem-se vindo a destapar o véu do real impacto que esta atividade, não só legal, porque existem sítios na China, por exemplo, onde os animais são criados para este propósito, mas sobretudo ilegal. Ou seja, abate ilegal, muitas vezes associado a roubo, a um abate [dos animais] nada humano das formas mais cruentas que se possa imaginar”, relata.
Os burros são abatidos e esfolados, e as peles são cozidas para ser extraída a gelatina. Uma realidade que afeta o sustento de comunidade pobres em todo o mundo. Estima-se que cerca de 500 milhões de pessoas dependem dos burros e dos seu auxílio no transporte de mercadorias e água, e no cultivo da terra.
João Brandão Rodrigues, de 41 anos, trabalha a partir de Paredes de Coura, sua terra natal, não só pela causa, mas também para defender o bom uso de burros e mulas em trabalhos que envolvam tração animal como a agricultura.
“O Zimbro tem sido um grande embaixador desta tração animal moderna, que a associação portuguesa de tração animal, da qual faço parte, tem promovido ao longo de 12 anos. Temos feito muitos cursos de formação”, descreve o especialista, adiantando que, uma dessas formações, sobre “Agricultura de montanha com recurso a tração animal”, decorrerá de 10 a 12 de maio em Paredes de Coura.
O parceiro de Bolota, que pesa cerca de 350 quilos e reage de forma terrenta, baixando as orelhas e encostando a cabeça ao dono, quando é afagado, estará presente.
“O Zimbro vai estar lá, juntamente com outros animais. É parte da equipa de trabalho e parte da família”, indica, sublinhando que o seu burro “não é de todo uma máquina”. “Os seus limites físicos e mentais, e a sua dignidade são fundamentais”, diz, concluindo: “Quando saio de casa e vamos fazer um curso. Desde que o Zimbro sai de casa, entra no reboque, vamos fazer o curso e voltamos, só fico realmente descansado quando ele volta a casa e fica tranquilo”.
Segundo João Brandão Rodrigues, em Portugal, o efetivo de burros deverá rondar, atualmente, “entre 10 a 15 mil animais”, que são usados em trabalho agrícola, comércio de leite de burra e turismo. E que à partida vivem tranquilos.
A União Africana decidiu em fevereiro deste ano banir o comércio de peles de burro, mas o massacre de animais por causa da indústria chinesa continua a preocupar.
