Ílhavo criou uma Rota das Padeiras para alimentar a tradição do pão cozido em forno a lenha e para dinamizar um sector da economia local, que está em risco de extinção.
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O horário duro, que obriga a trabalhar durante a noite e ainda parte do dia na distribuição do pão e a ameaça das padarias modernas, que produzem em elevadas quantidades, faz com que os mais jovens se afastem da arte de fazer o tradicional pão caseiro.
A Rota das Padeiras começa este sábado e estende-se até segunda-feira, com showcookings, degustação de vários tipos de pão, como o pão de bacalhau, sessões de histórias com padeiras ou ainda com a possibilidade de qualquer um ser padeiro por uma hora.
Cheira a pão quente, quando entramos na rua principal de Vale de Ílhavo e cheira também a tradição, que quer manter-se, apesar da idade elevada da maior parte das gentes que ainda coze o pão. "Antigamente davam meio quilo de açúcar, ovos e coziam-se os alguidares de pão para determinados clientes", consoante aquilo que era dado às padeiras para trabalhar. Tempos idos. Hoje, o cliente já não traz os ingredientes, mas o pão continua a sair quentinho, de um forno a lenha.
Alcina Sacramento mantém a porta da padaria aberta aos fins de semana, por prazer, mas também por memória a Celeste, sua mãe e a mais antiga padeira da região. Mostra-nos os dois fornos que recuperou. O que está na "padaria velha", a primeira padaria da mãe, e o que está na cozinha mais recente. Os dois estão já preparados: "aqui temos a lenha para acender os fornos às 11h20 e começa-se a cozer à meia-noite e meia hora. Isto foi encerrado quando morreu a minha mãe, mas eu reabri", conta com orgulho e com um sorriso que não consegue esconder.
Mais abaixo, ainda agarrada à pá que tira do forno o pão que o marido vai vender pelas gafanhas, Francelina Vidal acrescenta mais um dia aos 40 anos de padeira. Está cansada e não o esconde. Trabalha de noite, dorme um pouco ao nascer do dia, trabalha de novo de dia, para dormir de novo um pouco ao pôr-do-sol. Começou a cozer o pão porque o marido queria que ficasse em casa e não trabalhasse fora. Agora com 72 anos garante que está longe de cozer as quantidades que cozia, sobretudo devido ao estilo de vida atual. "As pessoas estão em casa, nos apartamentos, e compram nas grandes padarias, é mais rápido e dá mais jeito, e agora nós já nem sequer podemos deixar o pão pendurado na porta", lamenta.
Ainda assim, "pensamos em cozer o pão, e depois de ele estar cozido temos de ir vendê-lo. Esta vida dá cabo de nós. Agora faço poucos pães, uma média de 200 por noite".
E é a padeira Francelina que explica porque o pão de Ílhavo é diferente: "é fermento, água, sal e farinha sem aditivos nenhuns. Ainda vamos buscá-la aqui aos nossos moleiros".
Ainda são 13 padeiras e dois padeiros que contribuem para que as ruas na manhã de Ílhavo cheirem a pão quentinho. O vereador Paulo Costa explica porque é que a autarquia local tem vindo a cozer a ideia de reavivar a tradição: "ainda é pão cozido a lenha, com produtos o mais puros possível, para que o pão tenha a cor, textura e o sabor ideal, que tem, e esta ação pretende que as famílias possam continuar a viver desta atividade, porque quinze famílias ainda é um número relevante", e que a câmara pretende manter ou aumentar, tentando fazer com que os mais jovens se voltem para a atividade, regressando assim às origens.
Durante a noite de sábado para domingo, entre a meia-noite e as seis da manhã, qualquer um pode ser colocar as mãos na massa e ser padeiro por uma hora, em Vale de Ílhavo, no concelho de Ílhavo.
As tradicionais padas ou o pão doce começam a sair do forno madrugada dentro.
A farinha utilizada neste pão tradicional é comprada a dois moleiros da terra, que mantêm ativas duas antigas azenhas/moinhos.
Dinamizar a divulgar o pão salgado e o pão doce, mostrando que Ílhavo é mais do que uma terra de pescadores de bacalhau.