Santos Silva apresenta remédios para combater "doença fatal" que é a extrema-direita
Presidente da Assembleia da República foi orador numa conferência, em Lisboa, sobre o combate à extrema-direita que, considera Santos Silva, deve ser "combatida sem tréguas". A doença pode ser fatal para a democracia, mas Santos Silva veio com receita pronta.
Corpo do artigo
De cachecol ao pescoço para um auditório composto, no ISCTE, Augusto Santos Silva, tal médico, chega para apresentar um tratamento para uma doença. O diagnóstico é "avanço da extrema-direita na Europa" e está descrito, pelo Presidente da Assembleia da República, como "uma doença que progride, enfraquece e que pode ser fatal para a democracia liberal com forte cunho social e que é a democracia europeia".
No entanto, Santos Silva não se limitou a fazer o diagnóstico, trouxe também a prescrição ou, como ele lhe chamou, os "remédios eficazes para travar e curar as sociedades do seu vírus".
À cabeça, o socialista propõe-se a encontrar os remédios respondendo a três perguntas: "Onde está o foco do nosso combate? Que responsabilidades tem a esquerda democrática? Quais devem ser os eixos que organizam esse combate intelectual e político à extrema-direita na Europa?"
TSF\audio\2023\01\noticias\23\filipe_santabarbara_licao_de_santos_silva
"Onde deve estar o nosso foco? A resposta é dupla: primeiro lugar, deve estar claramente na extrema-direita, porque é falsa a equivalência entre os dois extremismos, é falsa a equivalência entre as ditas extrema-direita e extrema-esquerda", começa Santos Silva antes de lançar um "mas".
"Mas nós não devemos ignorar a disseminação do populismo que alimenta a extrema-direita, não devemos ignorar que a pulsão antissistema, anti-elites políticas, antirracional também existe hoje nos métodos de contestação que praticam a violência urbana, que degradam o uso da greve através das greves self service, e que com isso apagam as fronteiras com a extrema-direita e permitem a circulação, às vezes, entre os dois extremos", completa o Presidente da Assembleia da República
Em seguida, Santos Silva prossegue com a guia de tratamento e que vai pela "clara demarcação face à extrema-direita" e que, aliás, contrasta "em vários países europeus com a tolerância, e até alguma cumplicidade, que a direita clássica vem manifestando para com a extrema-direita".
Recado entregue ao PSD, o parlamentar vinca a necessidade de a esquerda democrática "denunciar o populismo onde quer que ele exista", mas, mais importante, o facto de dever "combater intransigentemente os líderes e as forças políticas extremistas, mas não o seu eleitorado".
"Essa distinção parece-me absolutamente essencial: uma grande parte da força do extremismo hoje vem de perceções e sentimentos populares de medo, insegurança e frustração, e, esses sentimentos, primeiro, não podem ser negados, segundo, têm de ser compreendidos", destaca.
Para Santos Silva, há até um dever de humildade em reconhecer que também do eleitorado da esquerda democrática "já saiu, está a sair e vai sair eleitorado para a extrema-direita". "Nós temos de reconquistá-lo e, para reconquistá-lo, precisamos de compreendê-lo", nota Santos Silva para quem deve existir a responsabilidade de perceber bem que deve ser feito um "combate sem tréguas às forças políticas extremistas e aos líderes extremistas, mas não fazer um combate sem tréguas ao respetivo eleitorado".
A receita já vai longa, mas Santos Silva ainda apela à "coerência, mesmo que essa coerência possa significar derrotas eleitorais conjunturais". Traduzindo: "Mesmo que essa coerência possa significar nalgumas conjunturas o aumento da nossa influência social e política e, noutras conjunturas, a redução da nossa influência social e política".
Defende o presidente da Assembleia da República que deve ser mantida uma "continuidade" naquilo que a esquerda defende e é. Segue a lista: "institucionalidade democrática, a economia social regulada de mercado, o crescimento para a redistribuição, mas também através da redistribuição, as políticas de igualdade, inclusão e não discriminação, as políticas sociais sustentáveis, a defesa do ambiente, a fiscalidade progressiva, o cosmopolitismo e a ordem internacional baseada em regras".
Olhando para trás, Santos Silva realça que este posicionamento não deve estar sujeito a nenhum efeito de moda - e cita, por exemplo, a famosa flat rate - e reconhece que a sociedade pagou um preço, "nos anos 80 e nos anos 90, quando nos deixámos encantar pelo ar do tempo e pusemos em suspenso alguns dos valores social-democratas clássicos em favor, por exemplo, de uma adesão sem regras, baias ou limites, ao poder que parecia extraordinário dos mercados financeiros totalmente internacionalizados e totalmente desregulados".
Ainda no capítulo das responsabilidades, Santos Silva elenca aquela que considera ser, "talvez, a mais polémica": "a esquerda democrática, no combate sem tréguas à extrema-direita, não se deixar iludir nem se deixar comandar pelas guerras de trincheira entre identidades".
Posto isto, há três eixos de atuação. "A nossa própria casa, as instituições democráticas e o último é o espaço público".
Se na própria casa, Santos Silva defende a "integridade moral e do programa político", nas instituições, o presidente do parlamento nota que é "preciso fazer a defesa acérrima do Estado de Direito".
"Devemos ser frontalmente contrários a qualquer espécie de judicialismo, ter pulsão de pensar que os males da política se resolvem fora da política e os males da política", destaca Santos Silva considerando que esse seria um "erro dramático".
Além disso, já colando bem com a atualidade, Santos Silva é claro: "Sim, devo julgar ministros pelas políticas que realizam; sim, devo julgar méritos dos partidos políticos pelo resultado das políticas que eles defendem; sim, devemos combater-nos uns aos outros pelas ideias e não por tentarmos descobrir a roupa suja uns dos outros que, entre outras coisas, é uma atividade muito pouco higiénica e muito pouco respeitadora dos outros".
Para bom entendedor, está a receita deixada numa "aula" (ou consulta) na qual o presidente da Assembleia da República considerou ainda que o jornalismo deve ser alvo de uma "defesa intransigente" para que se combata a doença fatal que considera ser o avanço da extrema-direita.