"São fundamentais." Escuteiros no Porto ajudam na integração de jovens estrangeiros e com necessidades especiais
Os escuteiros começam esta semana as celebrações dos cem anos do movimento na região do Porto, onde há mais de 122 agrupamentos e nove mil escuteiros. A TSF esteve no agrupamento 740 da Areosa, o maior da cidade do Porto, e ficou a saber que há quem procure os escuteiros como forma de integração
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Na parte de fora da igreja, há um cheirinho a bolos no ar. É dia de angariação de fundos para os jovens do agrupamento de escuteiros 740, na Areosa, no Porto.
Um dos rapazes, Pietro, de 10 anos, nasceu no Brasil, na cidade de Ribeirão Preto, e mudou-se para Portugal há quatro com a família. Desde então está no agrupamento. Com um sorriso no rosto, conta que aqui fez laços: “Fiz muitos amigos. Ajudaram-me muito, ensinaram-me a costurar, fizeram-me atividades.”
A mãe, Cynthia Mizobuchi, considera que colocar o filho nos escuteiros foi fundamental para a sua integração. “Vimos que os escuteiros eram um lugar onde podia aproximar-se mais, conhecer melhor a cultura e estar próximo de outras crianças e aprender também, como é outro país. Por isso, os escuteiros foram fundamentais para o nosso início aqui”, sublinha. “A forma como ele foi recebido, a forma como ele foi apresentado, o trabalho em equipa, ajuda na integração”, assegura.
Para a mãe, o movimento ajuda de uma forma diferente da escola. “A escola foi boa, mas os escuteiros trabalham no fim de semana e trabalham mais o coletivo, então, eles estão juntos, pensam juntos, fazem os trabalhos juntos e isso é que o ajudou a integrar-se mais”, conta.
O agrupamento existe há 40 anos e tem perto de 140 elementos e 20 dirigentes, ou seja, adultos responsáveis pelos jovens. Há elementos em todas as divisões: lobitos, que vão dos seis aos dez anos, exploradores, que vão dos dez aos 14, pioneiros para os jovens de 14 aos 18 anos, e caminheiros, a partir da maioridade. Pietro passou recentemente para os exploradores.
Quem veste um lenço de escuteiro quase desde o início é Ricardo Ranção. O agora dirigente de pioneiros diz que o agrupamento acolhe também jovens com necessidades especiais. “Já tivemos uma criança cega, já tivemos uma criança em cadeira de rodas, com Síndrome de Down”, exemplifica.
Para Ricardo Ranção, o movimento ajuda a que os jovens pensem uns nos outros. “[Ajuda a] perceber que há pessoas diferentes, com necessidades diferentes, que têm de ser integradas e que devem ser integradas de forma igual. Em relação ao elemento, penso que lhes dá alguma sensação de normalidade, num grupo onde são tratados iguais aos outros e onde não sentem tanto essa diferença”, explica.
“Chegou a acontecer uma criança dizer: ‘Eu não consigo’ e nós dirigentes, de forma pedagógica, tentamos integrá-los, e [dizer-lhes que] são iguais aos outros. Quando é necessário dar um sermão, damos um sermão igual a todos os elementos, sem qualquer distinção.”
Mas nem só de integração se fazem os escuteiros. É sobretudo de histórias. Francisca, uma lobita de nove anos, conta o que aconteceu, uma vez, num acampamento.
“Tínhamos de descobrir coisas de igreja. Eu e uma amiga fomos até ao sino e depois a minha amiga tinha medo de descer as escadas. Eu consegui descer, as pessoas ajudaram-na e ela conseguiu também. Estávamos a morrer de medo e [os dirigentes] disseram-nos: ‘Ai, credo, também não é preciso ter medo.’ Mas conseguimos descer dali sãs e salvas.”
Já na hora de partilhar memórias, Guilherme, caminheiro com 19 anos, foi até ao acampamento nacional. “Fiz canoagem com um amigo numa lagoa. Foi aí que descobri que ele não sabia nadar, mas correu tudo bem.”
Ricardo Ranção afirma que os escuteiros são um bichinho que pode acompanhá-los para toda a vida. “Por muitos grupos que se frequentem, por muitas experiências que se tenham, há coisas que só se vivem nos escuteiros. Isto é um bichinho que, se entra, é difícil sair”, comenta.
O escutismo - tendo, como nome institucional, Corpo Nacional de Escutas (CNE) - está em Portugal desde 1923. No país, existem também a Associação de Escoteiros de Portugal (AEP), fundada em 1913, e a Associação Guias de Portugal (AGP), desde 1931.
O CNE e a AEP têm como fundador o militar inglês Robert Baden-Powell. Já a AGP segue o movimento criado pela esposa, Olave Baden-Powell. As distinções parecem ser sublimes, mas estão bem assentes em cada movimento. O CNE é integrado na Igreja Católica Portuguesa e, como tal, faz parte do compromisso dos elementos serem batizados e frequentarem a catequese, bem como ajudar nas tarefas da igreja. Sem estar ligada a nenhuma instituição religiosa, a AEP acolhe elementos, independentemente da crença que seguem. Já as Guias, em semelhança ao CNE, também estão integradas na Igreja Católica, mas só podem fazer parte deste movimento meninas e mulheres.
Tendo começado na cidade de Braga, o CNE celebra este ano o seu centenário na cidade do Porto, com celebrações que se vão estender ao longo do ano.
