"Saúde mental dos jornalistas em risco." Metade dos profissionais com "níveis elevados de esgotamento"
Estudo revela que 18% dos jornalistas estão já num estado de "cansaço que não tem solução" e que 42% são confrontados por problemas éticos no trabalho.
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Estão física e emocionalmente exaustos, têm queixas mentais, trabalham mais de 40 horas por semana, sentem dificuldade em equilibrar a vida profissional e pessoal, têm menos filhos do que a média, auferem salários baixos, estão presos ao ritmo de trabalho e a muitas dúvidas éticas. É este o retrato das condições de vida e trabalho dos jornalistas portugueses que nasce de um inquérito aos profissionais da área.
A iniciativa que juntou o Sindicato dos Jornalistas (SJ), a Casa da Imprensa e a Associação Portuguesa de Imprensa (API), e foi apoiada pela Federação Europeia dos Jornalistas (FEJ) com o objetivo de perceber em que condições funciona a profissão em Portugal, conclui que 48% dos inquiridos - 866 no total - apresenta "níveis elevados de esgotamento".
Em declarações à TSF, Isabel Nery, a jornalista que apresentou o estudo em nome daquelas entidades, especifica que "18% consideram-se já exaustos", ou seja, em burnout, a expressão que foi utilizada no estudo. "No fundo, em português, podemos traduzir por exaustão, por um cansaço que já não tem solução", explica.
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A fotografia mais alargada é a de um conjunto de profissionais (38%) que "considera que tem problemas de saúde mental decorrentes do trabalho", realidade que acaba por conjugar-se com questões como a sobrecarga laboral - "quase metade dos jornalistas dizem que trabalham mais de 40 horas por semana" - e éticas.
"Há um problema também do ponto de vista psicológico, ou emocional, um pouco profissional também, que tem a ver com os conflitos éticos, porque há um problema a que se chama sofrimento ético, que tem a ver com a própria reação a trabalhos que não se consideram eticamente corretos, que fazem sofrer o jornalista. Por outro lado, a própria relação com as chefias também causa conflitos éticos. Há um número de jornalistas importante também a levantar esse problema", assinala Isabel Nery, uma realidade identificada na generalidade por 42% dos jornalistas.
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De entre os jornalistas que participaram no inquérito, 15,1% diz já ter sido alvo de assédio moral, a larga maioria (93%) por parte de chefias ou patrões e 7% por colegas. Dos inquiridos, 62% não encontraram apoio para resolver as questões éticas com que se deparam na rotina de trabalho.
Precisamente sobre rotinas de trabalho, 82% dizem que o ritmo transformou a sua produção e 49% dizem até que já viveram situações de censura ou autocensura, com também 52% a identificarem situações em que lhe foi bloqueado o acesso a fontes por autoridades do Estado, mercado ou sociedade civil.
Quanto a horários, 50% responde que trabalha mais de 40 horas por semana e, destes, metade trabalha mais de dez horas semanais durante a noite.
Isabel Nery reconhece que o jornalismo "sempre foi um trabalho que tinha alguns excessos do ponto dos horários, por vezes é difícil cumprir porque os acontecimentos nos ultrapassam", mas que este fator sempre foi acompanhado de "uma satisfação inerente à profissão".
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Esse é um fator que "parece estar a esvair-se, em grande medida, por causa do excesso de produção que obviamente invalida a qualidade o prazer" na mesma. Assim, "este dado, conjugado com os outros tem de ser um fator de preocupação".
A nível de vida pessoal, 52% dos jornalistas são casados ou vivem em união de facto, 33% são solteiros e 14% são divorciados, sendo que um terço de todos os respondentes identifica um desequilíbrio entre a vida pessoal e profissional.
No que respeita a filhos, 40% não têm, 26% têm um e 27% tem dois filhos, mas a média de filhos é de 1,04, um valor que está abaixo da média nacional de 1,38 filhos por mulher e também abaixo do número de descendentes do pessoal de voo, condutores do metro e professores. Assim, os jornalistas são quem tem menos filhos de entre os profissionais das carreiras analisadas pelo Observatório para a Condições de Vida e Trabalho.
Nas questões da carteira, a remuneração média líquida é de 1225 euros e 36% dos inquiridos considera que o que ganha condiciona o seu trabalho, com 54% inquietos com a precarização da produção jornalística atual e 48% inquietos com a precariedade da sua situação.
Em termos de habilitações literárias, 80% tem formação superior: 20% concluiu bacharelato ou licenciatura pós-Bolonha, 34% tem licenciatura pré-Bolonha, 11% tem pós-graduação e especialização, 14% frequentou mestrado integrado e 2% tem doutoramento. Fora estes, 19% tem apenas o ensino secundário.
Já no que respeita a formação complementar, 59% diz não ter tido qualquer uma, 12% tiveram-na por meio da empresa para a qual trabalham e 29% por iniciativa própria.
O inquérito em questão decorreu em abril e maio de 2022 e recolheu 866 questionários de 119 concelhos: 52% dos respondentes são homens e 48% mulheres entre jornalistas no ativo ou na reforma. Dos que estão no ativo e têm menos de 65 anos, a média de idades é de 44,8 anos.