"Se não refletirmos, somos quase cúmplices." Portugal e Espanha estudam dependência das redes sociais nos menores
Em declarações à TSF, a presidente do Conselho Nacional de Ética garante que o caminho passa por "mais literacia digital" para a sociedade "beneficiar" do bom que as redes sociais têm. "Se o principal objetivo era a proximidade de quem estava longe, neste momento, está a afastar quem está perto", remata
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Os conselhos de ética português e espanhol estão a elaborar um parecer conjunto sobre o impacto da dependência digital na saúde das crianças e jovens, que poderá servir para apoiar eventuais iniciativas legislativas nesta matéria.
Em declarações à TSF, a presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), Maria do Céu Patrão, afirma que o projeto está a ser desenvolvido desde janeiro deste ano e incide naquilo que consideram ser uma das grandes questões éticas da atualidade.
"A utilização das redes sociais hoje, pelas várias gerações, é uma questão com uma dimensão ética fortíssima: o apagamento quase da privacidade, que está, efetivamente, a ser minimizada; a agressividade verbal utilizada; a perpetuação de agressividades violentas físicas, por exemplo, o bullying na escola que depois é colocado nas redes sociais e corresponde ao reviver do momento traumático pela vítima", enumera.
É preciso tomar medidas, já que, caso contrário, está-se a assistir, "quase a participar passivamente". E a representante avisa: "Se não refletirmos sobre a utilização responsável da internet, nós de alguma forma também somos quase cúmplices daquilo que está a acontecer."
Espanha está a ponderar proibir o acesso às redes a menores de 16 anos. Questionada pela TSF sobre esta hipótese, Maria do Céu Patrão enfatiza que "não seria milagrosa, independentemente da exequibilidade".
O caminho passa por "mais literacia digital" para a sociedade "beneficiar" do bom que as redes sociais têm. "Se o principal objetivo era a proximidade de quem estava longe, neste momento, está a afastar quem está perto", remata.
Conselhos de ética português e espanhol avaliam impacto da dependência digital nos menores
O CNECV salientou, em comunicado, que o parecer “Perspetivas Éticas sobre o Impacto da Dependência Digital na Saúde de Crianças e Jovens” é uma iniciativa que se enquadra num debate global e por “estudos, séries e casos mediáticos que alertam para os riscos associados” a essa problemática.
De acordo com este órgão consultivo independente, em Espanha o Governo já aprovou um projeto de lei para aumentar a idade mínima de acesso às redes sociais para 16 anos, que está agora no âmbito parlamentar.
“Em Portugal, este parecer conjunto contribuirá para uma reflexão aprofundada sobre o tema, podendo apoiar futuros debates e eventuais decisões a nível legislativo no desenho de estratégias que promovam um uso responsável e saudável da tecnologia”, adiantou o órgão presidido por Maria do Céu Patrão Neves.
O documento vai analisar os riscos associados à dependência digital, assim como desafios éticos que emergem da relação cada vez mais precoce das crianças e jovens com a tecnologia, referiu o CNECV.
“Questões como a privacidade, a autonomia, os impactos cognitivos e emocionais, bem como o papel das políticas públicas e das famílias na mitigação destes riscos, serão abordadas com o objetivo de promover o bem-estar e a proteção das gerações futuras”, realçou ainda o CNECV em comunicado.
O parecer conjunto de Portugal e Espanha terá apresentação preliminar no 34.º NEC Forum, que decorrerá em Varsóvia em 26 e 27 de junho, reforçando, de acordo com o conselho de ética português, o “compromisso com uma abordagem ética ibérica às transformações digitais e aos seus efeitos na sociedade”.
Em 25 de março, o Governo de Espanha aprovou uma proposta de lei com diversas medidas que visam proteger os menores de idade de diversos conteúdos na Internet, em especial, pornográficos.
Esta proposta de lei do Conselho de Ministros espanhol resulta de cerca de um ano de trabalhos envolvendo vários ministérios, organismos e empresas e foi anunciada em janeiro de 2024 pelo Governo.
Além de medidas novas para verificação da idade no acesso a conteúdos na Internet, a proposta do Executivo espanhol inclui sistemas obrigatórios de controlo parental dos telemóveis e outros dispositivos introduzidos pelas empresas na própria fabricação dos aparelhos, programas de formação para professores e alunos e mudanças no Código Penal, entre outros aspetos.
Criado em 1990 e a funcionar junto da Assembleia da República desde 2009, o CNECV é um órgão consultivo independente composto por 21 membros de vários ramos da ciência e que analisa os problemas éticos suscitados pelos progressos científicos nos domínios da biologia, da medicina, da saúde e das ciências da vida.