"Se o vírus da gripe aviária conseguir mutações, podemos ter uma pandemia nas mãos"
Para o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, será preocupante quando o vírus H5N1 começar a infetar porcos
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O porco é um animal recetor dos vírus da gripe que afetam os humanos através das vias respiratórias e é aí que pode estar o problema. Na opinião do epidemiologista Manuel Carmo Gomes, “os vírus falam entre eles” e, ao infetar um desses animais, "aumenta a probabilidade de que um dos vírus H5 adquira informação desses vírus H1, H2 e H3, informação que lhe permita aderir às nossas células das vias respiratórias”. Se isso acontecer, o vírus começa a transmitir-se entre humanos e, “a partir daí, vamos ter uma pandemia nas mãos”.
O epidemiologista, que acompanhou a par e passo a pandemia da Covid-19 e durante meses deu contributos para as decisões da Direção-Geral de Saúde, sublinha que os humanos não têm ainda imunidade contra o vírus altamente contagioso da gripe das aves. Há casos conhecidos de pessoas infetadas com o H5N1 em quintas de animais nos Estados Unidos, mas, por enquanto, o vírus não consegue chegar às vias respiratórias. ”Essas pessoas foram infetadas provavelmente pelos olhos, porque aparecem com conjuntivites ou os olhos vermelhos”, explica.
Na semana passada, surgiu um foco de gripe aviária numa exploração de galinhas poedeiras no concelho de Sintra e a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) mandou abater mais de 55 mil aves. No ano passado, tinha surgido apenas um caso, numa capoeira doméstica em Viana do Castelo.
Manuel Carmo Gomes conta que nos Estados Unidos registam-se casos de infeção em vacas-leiteiras e há outros mamíferos selvagens que também surgiram com os sintomas da doença, como focas ou leões marinhos. Apareceram igualmente gatos infetados, que beberam o leite não pasteurizado de vacas com a doença. “50% desses gatos morreram, por isso o vírus já tem capacidade de infetar praticamente todos os mamíferos”, afirma Carmo Gomes.
Embora a Organização Mundial da Saúde considere que o risco para a saúde humana ainda é baixo, a União Europeia já adquiriu 700 mil vacinas e tem autorização para comprar 40 milhões de doses, caso se verifique uma pandemia.
No entanto, a vacina contra o H5N1 leva mais tempo a ser concebida do que a vacina para a Covid-19 e existe um único fabricante. A Finlândia é o único país que já começou a administrar a vacina a criadores de aves e outros animais, mas, por enquanto, o epidemiologista considera que ainda é prematuro avançar com essa situação em Portugal.
A TSF insistiu durante vários dias com o Ministério da Agricultura e com a DGAV para que fosse feito um ponto da situação em Portugal, mas não obteve resposta.
A Associação de Criadores de Raça Frísia, a que pertencem os criadores de vacas-leiteiras, garantiu não ter conhecimento de infeção do vírus da gripe das aves nos bovinos em Portugal.
Criadores de aves preocupados, mas a seguirem regras da DGAV
Na sequência do caso de Sintra, a DGAV decidiu impor o confinamento das aves de capoeira para prevenir o contacto com aves selvagens que transportem o vírus. Paulo Mota, da Associação Nacional de Avicultores e Produtores de Ovos (ANAPO), considera que para as explorações industriais será algo fácil de cumprir.
"Os pavilhões estão sempre preparados para receber os animais no interior, até porque eles pernoitam sempre no interior e [os aviários] estão dimensionados para isso". "Para nós é pacífico", assegura. Na sua opinião, em explorações caseiras poderá ser mais difícil. "Por um lado, porque a informação não é tão eficaz a chegar-lhes e, por outro, porque as pessoas desvalorizam e podem permitir que os animais venham para o exterior", afirma.
O secretário-geral da Associação Nacional de Centros de Abate e Industria Transformadora de Carne de Aves (ANCAVE) lembra que há mais de um ano que não se verificava um caso de gripe das aves em explorações comerciais em Portugal. Ainda assim, a disseminação do vírus H5N1 é uma doença que preocupa os criadores.
"É um risco permanente, porque a doença está a tornar-se endémica na Europa", constata Pedro Ribeiro. "Tem havido deteção em várias gaivotas e aves selvagens e é evidente que é uma preocupação, admite.
Macau e Hong Kong já proibiram a exportação de carne de aves de Portugal, mas Pedro Ribeiro sublinha que não são destinos importantes para as exportações e que, até agora, foram os únicos a tomar essa decisão. A situação, na sua opinião, tem a ver com a guerra comercial entre a China e a Europa.
"Na sequência das taxas aos automóveis chineses, a China tem estado sistematicamente a impor limitações ao comércio, primeiro foram os suínos, depois os bovinos e agora arranjaram um pretexto para o alargar às aves", conclui.
Notícia atualizada às 13h33