"Se Rio aguentar como líder da oposição, acabará por ser primeiro-ministro"
Miguel Poiares Maduro vai ao congresso do PSD com propostas muito concretas para reformar o partido: das primárias abertas à comissão de ética interna. Mas a caminho de Viana, o antigo ministro pede "responsabilidade" a todos pela união do partido, fala da estrada que Rio tem à frente e não descarta um regresso de Pedro Passos Coelho.
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Não é uma revolução, mas quase. Miguel Poiares Maduro vai até ao Congresso do PSD para defender que, em teoria, mais de 10 milhões de pessoas podem ajudar a eleger o líder do PSD. Claro que a situação é limite e praticamente impossível, mas o antigo ministro do governo de Passos Coelho (juntamente com António Leitão Amaro, Duarte Marques, Lídia Pereira e Carlos Coelho) defende a utilização da máquina e cadernos eleitorais do Estado para a realização de primárias abertas no partido.
O objetivo último é "contrariar fenómenos que hoje são muito correntes nos partidos políticos: a arregimentação de votos, aquilo que normalmente se designa de cacicagem". Mas a ambição não fica por aqui: a moção "Reformar o PSD para reformar a política" estabelece uma meta ao nível dos militantes para os próximos dois anos e que passa por aumentar em 50% o número de sociais-democratas.
Para isso contribuirá uma nova Academia de Formação Política, uma unidade de estudos de políticas públicas e até uma Comissão de Ética interna. Tudo a bem da transparência e de uma maior participação da sociedade civil na política e, no caso, no PSD.
Mas há mais. A caminho de Viana do Castelo, Poiares Maduro, que não apoiou nenhum dos candidatos à liderança do partido, considera que este é um tempo em que, tanto quem ganhou, como quem perdeu, deve ser responsável e lutar pela unidade no partido.
Certo que essa é a tónica que tem pautado as intervenções públicas das figuras do PSD, mas Poiares Maduro, nesta entrevista à TSF, nota ainda que Rio, "se conseguir aguentar" a liderança da oposição, chegará a primeiro-ministro. Para isso, basta-lhe vincar a diferença entre a não-disponibilidade para viabilizar um governo socialista e a disponibilidade para compromissos em questões fundamentais. E quanto mais cedo, melhor.
Poiares Maduro considera ainda que, no curto e médio prazo, não prevê um regresso de Passos Coelho à cena política, mas... "É uma mais-valia para o país, em termos políticos, e que no futuro pode voltar a exercer funções políticas no país ou até representando o país a nível internacional", nota o ex-governante.
E já que falamos em Passos Coelho, concordará Poiares Maduro com uma união das direitas para as reformas de que o país precisa? Para já, não, é tempo de focar no PSD, isso ficará para mais perto das eleições. E com a direita como está hoje, Poiares Maduro é categórico a negar coligações com este Chega. Já com este CDS, "vamos ver". Assim seja...
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É o primeiro subscritor da moção "Reformar o PSD para reformar a política". Quão grande tem de ser essa reforma?
Tem de ser importante porque os desafios que a política enfrenta hoje são desafios muito importantes e difíceis. Hoje em dia, temos os níveis mais elevados de sempre de insatisfação com a democracia por parte dos cidadãos e é indissociável essa insatisfação com a democracia da crescente desconfiança que os cidadãos têm sobre a política e sobre os partidos políticos em especial. Há um círculo vicioso que se criou em que essa desconfiança face aos partidos políticos, face aos políticos, a perceção que esses partidos políticos já não representam os cidadãos, e que levam os cidadãos a desinvestir da sua própria participação. Temos de quebrar esse ciclo vicioso e foi isso que me levou a mim e aos outros autores da moção a entender que tínhamos de passar de proclamações sobre a necessidade de reformar os partidos e a política a propostas concretas, muito claras, sobre o que deve ser feito em termos de reforma dos partidos políticos, começando com o nosso a dar o exemplo. Reformas ao nível do alargamento da participação no partido, ao nível do reforço de transparência, da integridade e da ética e também do reforço da sua capacidade de ter a massa crítica necessária para corresponder àquilo que os portugueses esperam do PSD.
Na moção que apresenta defende a instituição de primárias abertas no partido. Esta é uma medida que até já foi admitida pelo próprio presidente do partido, Rui Rio, mas as vantagens não são menores do que as desvantagens?
Primeiro, essa medida é inserida num conjunto de propostas para alargar a participação no PSD. Temos também propostas e uma preocupação muito grande com o alargar da própria militância no partido político. Propomos até o objetivo de, em dois anos, o PSD aumentar em 50% o seu número de militantes e fazemos propostas em como isso pode ser conseguido. Mas, depois, entendemos que também é importante alargar àqueles que são simpatizantes do PSD. O PSD tem tradicionalmente cerca de um milhão de votos, há aí uma margem estável de simpatizantes e de pessoas que se associam com o PSD, dar-lhes a oportunidade de participar e reforçar a legitimidade do líder. Ao mesmo tempo, ao alargar a participação, contrariar fenómenos que hoje são muito correntes nos partidos políticos: a arregimentação de votos, aquilo que normalmente se designa de cacicagem. Isso é um problema que os partidos políticos enfrentam hoje, o PSD também, e a única forma de o superar neste contexto é, na realidade, com todos os problemas e desafios que as primárias também suscitam, de alargar exponencialmente a participação. Não basta alargar, como fez o PS, a 100 mil pessoas porque no fundo é uma promoção da cacicagem alargada. Temos de alargar muito mais o universo de eleitores para evitar esse tipo de fenómenos. Isso exige que as primárias sejam abertas e, para serem genuinamente abertas, têm de passar por uma utilização da própria máquina e sistema eleitoral do Estado português como acontece na maior parte das primárias dos Estados Unidos da América. É isso que permite dar credibilidade e meios para haver uma genuína e alargada participação dos cidadãos.
O segundo aspeto é que também é fundamental reforçar a qualidade da discussão prévia à realização das primárias. Deve existir um congresso prévio às primárias em que os candidatos do PSD são selecionados. Ninguém poderá ser candidato se a sua moção de estratégia global não tiver, pelo menos, 20% de apoio. Isso significa que, por um lado, o partido tem sempre algum controlo sobre quem vai ser o seu líder, mas por outro lado que as primárias são precedidas de uma discussão dessa filtragem, de uma discussão sobre esses diferentes programas. Por outro lado, sendo limitado o número de candidatos, isso permitirá garantir o financiamento por parte do próprio partido às campanhas desses candidatos, eliminando outro risco que temos hoje em dia com as diretas: nós não sabemos quem é que está a financiar as campanhas eleitorais dos candidatos à liderança do PSD e do PS, com todos os riscos que isso comporta, porque serão muito provavelmente os futuros primeiros-ministros do país.
Também para combater casos como aquele que foi mais mediático nos últimos tempos, no Livre, com a eleição da deputada Joacine Katar Moreira?
O Livre até realizou primárias, mas como é um partido muito recente, a participação é muito limitada. O que nós sabemos é que quando a participação é muito limitada em qualquer ato eleitoral, o risco de captura por um interesse particular desse ato eleitoral, seja um interesse dominado até por algum interesse económico, seja dominado por uma componente mais radical e que mais facilmente se mobiliza na política, é muito grande. Se o universo eleitoral é de 10 mil votantes, por exemplo, é relativamente fácil a um grupo arregimentar votos e controlar a eleição dessa forma. Quando nós mudamos para formas de participação mais diretas como são essas, a única forma de contrariar este risco é alargando exponencialmente o universo de eleitores e daí a nossa proposta de fazer primárias abertas, mas primárias que sejam, ao mesmo tempo, assentes nessa discussão prévia num congresso do PSD, na seleção dos candidatos e utilizando esse sistema eleitoral do Estado, permitindo a todos os partidos políticos de uma certa dimensão que o façam. Isto implica uma alteração da própria lei dos partidos políticos.
Acredita que esta ideia pode colher junto das bases do PSD?
Espero que sim. Acho que os militantes do PSD sabem que o PSD é um partido com uma tradição reformista e que tem de ser fiel a algo que o próprio que o Sá Carneiro disse. Eu estive a ler os primeiros discursos da criação do PSD e encontrei um discurso em que Sá Carneiro diz que o PSD tem de cumprir, na sua organização interna, os mesmos princípios de organização democrática, participação alargada e transparência que quer e defende para o país. Acho que os militantes do PSD vão ser fiéis a essa identidade e história do partido.
Entre outras medidas, defendem que o pagamento das quotas possa ser alterado por participação em eventos do partido. Isto não é também uma forma de poder alimentar o caciquismo?
Pelo contrário. O caciquismo parte, normalmente, do controlo de militantes que são militantes inativos e que só vão votar, o que dizemos é que queremos militância ativa. Não basta ter militantes, o que queremos é militância ativa. Como é que garantimos isso? Criando incentivos para as pessoas participarem ativamente no partido. Se dissermos que alguém que participa numa ação de formação ou num certo número de ações de formação de um partido político é o equivalente a pagar as suas quotas, estamos a promover a militância ativa porque é isso que entendemos que é fundamental que os partidos políticos tenham.
Muito mais do que arregimentar pessoas para irem a comícios...
Exatamente. Os partidos políticos não podem apenas servir um conjunto limitado de pessoas, não se podem encerrar num conjunto limitado de pessoas. Têm de ser os instrumentos de participação ativa dos cidadãos e parte dessa participação ativa passa pela militância de novo nos partidos políticos. Se isso não acontecer, estamos a colocar em causa a confiança nos partidos, estamos a colocar em causa o papel dos partidos na nossa democracia e nós não temos ainda melhor mecanismo de organização política, nenhuma alternativa séria e decente que funcione bem.
As propostas seguem com a criação de uma Comissão de Ética interna. Que avaliação faz à ética dos políticos em geral em Portugal e do PSD em particular?
Há duas coisas, há casos que têm existido, desde logo o mais famoso de todos envolvendo um ex-primeiro-ministro, que servem muito para colocar em causa a credibilidade dos políticos e a confiança dos cidadãos nesses políticos. Depois, a partir desses casos, há uma situação de desconfiança generalizada. Alguma delas justificada, com base nesses casos, outra não e que, aliás, afeta o prestígio e a credibilidade do exercício de funções políticas, levando a que depois menos pessoas se interessem pela política ativa. Portanto, lá está, reforçando o tal círculo vicioso de que eu falava antes. Como é que nós invertemos este fenómeno? Temos de criar instrumentos que sejam claros, transparentes e que gerem confiança junto dos cidadãos quanto ao controlo de integridade e à ética dos políticos e do funcionamento da política. E é isso que nós fazemos, não apenas criando uma Comissão de Ética mas, por exemplo, criando regras de inibição que impeçam que alguém que já foi acusado pelo Ministério Público esteja sujeita a certas medidas de coação não possa ser candidato pelo pelo PSD...
Um pouco à semelhança daquilo que Rui Rio instituiu agora nas listas?
O nosso critério é um pouco mais exigente do que aquele que foi utilizado nas últimas listas, mas vai nessa linha. Aliás, o presidente do partido, ao nível da militância, também já adotou propostas interessantes e que têm facilitado a militância no PSD. Além disso, defendemos que a agenda dos representantes políticos dos cidadãos, sejam ministros, sejam deputados, e começando, desde logo, pelos deputados do PSD, deve ser pública. Para as pessoas terem confiança nas políticas públicas e perceberem e poderem responsabilizar os políticos pelas decisões que são tomadas, é importante saberem com quem é que reuniram no quadro da formulação de uma determinada política pública. Se um político tem uma reunião com um determinado interesse económico, a agenda dessa reunião deve ser pública. Isto é comum em muitos outros Estados desenvolvidos, em muitas democracias desenvolvidas. Não temos isto em Portugal e devíamos ter, foi algo que, infelizmente, no contexto da Comissão que foi criada na última legislatura no parlamento, infelizmente não foi possível adotar. Outro aspeto que defendemos é que essa Comissão de Ética deve fazer um controlo prévio da integridade dos candidatos do PSD, não ao nível da tal existência ou não de processos judiciais, mas também sabendo qual é o estatuto e a situação fiscal que esses candidatos têm. É muito importante fazer esse crivo prévio ao nível da ética e da integridade dos candidatos que o PSD apresenta para gerar confiança nesses candidatos, mas também da política em geral. Também criar regras claras de funcionamento da atividade política como essa agenda pública dos encontros que tiverem com dimensão política, mas também proibindo qualquer tipo de nomeações familiares, nomeações cruzadas, defendendo que o PSD deve reforçar a despartidarização da Administração Pública através de um reforço do papel da CRESAP e aumentando os seus recursos e o papel que ela deve ter. Ainda por cima é algo que é uma herança política positiva que o PSD tem para apresentar, isso são tudo propostas fundamentais que apresentamos nessa área.
Como é que se escolheria a composição desta Comissão de Ética? À partida, teriam de ser pessoas o mais independentes possível...
O que defendemos é que devem ser desde personalidades de muito prestígio do passado do PSD, políticos acima de qualquer suspeita e com grande credibilidade que o PSD também tem necessariamente...
Como por exemplo?
Não vou estar a antecipar nomes, naturalmente, mas também pessoas personalidades independentes que não sejam do PSD, mas que possam exercer essas funções dentro do PSD e que acrescentem essa credibilidade no exercício dessa função tão importante que uma Comissão de Ética terá no contexto daquilo que pensamos que deve ser feito no partido.
E a importância de uma Academia Política?
Defendemos que outros aspetos fundamentais são o reforço da qualificação e da capacitação dos partidos políticos e, desde logo, do PSD. É por isso que defendemos a criação de uma Academia de Formação Política que dê formação desde os candidatos do PSD à Assembleia da República, às autarquias, mas também aos próprios militantes, que quem começa a ser militante do PSD tenha a possibilidade de ter formação, que conheça a história e as posições políticas do partido, mas que possa também discutir política no âmbito dessa Academia. E depois também ter uma unidade profissional, competente, de estudos e análise de políticas públicas que não seja apenas um resultado da participação de muitos especialistas, de uma rede muito alargada que o PSD já tem. O Conselho Estratégico foi uma evolução positiva, mas no Conselho Estratégico são todos especialistas que colaboram ocasionalmente com o PSD. Entendemos que para essa colaboração ocasional poder ser realmente produtiva e poder haver um acervo daquilo que são as posições históricas do partido, é fundamental ter uma unidade residente, ter meios substanciais de desenvolvimento dessa unidade de estudos políticos. Defendemos que, quer a Academia de Formação Política, quer a unidade de estudos, para serem projetos sérios que reforcem a massa crítica e a qualificação dentro do PSD, devem ter recursos financeiros correspondentes. Defendemos que 20% do orçamento de despesas correntes do partido deve ser dedicado a essas atividades e que o PSD deve defender também que, na lei de financiamento público dos partidos políticos, deve passar a constar essa obrigatoriedade para todos os partidos. Os partidos políticos não podem ter o financiamento público apenas para ser utilizado em campanhas.
Retribuir à sociedade civil...
Exatamente, porque faz parte daquilo que nós esperamos dos partidos políticos. Porque é que nós financiamos os partidos políticos enquanto país? Porque entendemos que eles são fundamentais para a nossa democracia. Para eles poderem exercer adequadamente esse papel na nossa democracia, têm de ter pessoal político qualificado, têm de ter ações de formação política, têm de ter unidades de estudo que produzam políticas públicas para estarem preparados quando acedem a funções governativas e também para quando estão na oposição poderem criticar de forma mais sólida, poderem apresentar mais propostas alternativas. Para isso, é fundamental a componente que tem sido muito descurada nos partidos políticos em Portugal.
Faz falta formação às pessoas que estão em cargos políticos no país?
Faz falta em geral ao país, mas faz, e muita falta, nos partidos políticos. O PSD tem uma tradição importante com a Universidade de Verão, aliás, o Carlos Coelho, que é um dos autores desta moção, tem feito um trabalho extraordinário a esse nível, mas faltam os meios para fazer realmente uma mudança ao nível da qualidade e que só vem com o profissionalismo que essas unidades e a academia de formação política puderem ter.
Esteve fora da campanha para as eleições internas, não apoiou publicamente nenhum candidato, a luta foi renhida. O PSD é, mais do que nunca, um partido dividido?
O PSD não pode ser um partido dividido. Naturalmente que qualquer campanha eleitoral - e numa campanha eleitoral renhida ainda mais - deixa algum tipo de danos, causa algum tipo de fraturas dentro de um partido. Mas tem de ser a preocupação de todos, quer quem ganhou, quer quem perdeu, voltar a unir o partido. Desde logo, mesmo se olharmos durante essa campanha, a diferença que existiu era sobretudo uma diferença de estratégia política, não era uma diferença quanto à identidade política do PSD. Ao nível das propostas políticas que os candidatos apresentaram e da identidade do seu programa para o país, havia uma grande convergência. Havendo essa convergência, sendo nós todos do mesmo partido, temos de ser capazes de aceitar que houve uma opção por uma determinada estratégia política e contribuirmos todos para o PSD estar em condições de oferecer ao país duas coisas, do meu ponto de vista fundamentais, e que um partido quando está na oposição tem de oferecer. A primeira é um projeto político alternativo àquele de quem governa; e a segunda e ao mesmo tempo, o espaço para a procura do compromisso que também é necessário em política. Isto é extraordinariamente difícil hoje em dia e está a ser cada vez mais difícil em Portugal no contexto em que temos a esquerda que governa numa lógica muito dominada por um exercício oportunístico da política e uma direita onde, infelizmente, cada vez mais, vemos uma tendência e certas tentações para o radicalismo. Mas o PSD tem de resistir a esses dois aspetos, tem de resistir a entrar numa disputa política através do oportunismo com a esquerda que governa o país, mas também tem de resistir a quaisquer apelos de radicalismo ou de pureza ideológica quando aquilo que os portugueses querem é um programa político alternativo, não querem saber se esse programa é de direita ou de esquerda. Isto não é um complexo de direita ou de esquerda, costumo dizer que essa questão é muito fácil porque é uma questão sempre em termos relativos: o PSD está à esquerda do CDS e à direita do PS, portanto para mim essa questão está resolvida. O que os portugueses querem saber é: estando o nosso sistema político nessa colocação em termos relativos entre a esquerda e a direita, o que é que o PSD oferece de alternativo? E é isso que nós todos no PSD nos temos de concentrar, sendo fiéis à nossa história, que é uma história de moderação, não é uma história de radicalismos, e é uma história de frontal oposição ao exercício da política com oportunismo.
A questão da estratégia é aqui muito relevante porque, no fim de contas, o que o PSD quer são votos. Portanto, uma estratégia de ir buscar mais votos ao centro ou à direita, não mudando a ideologia, muda substancialmente o caminho para lá chegar e era aquilo que estava em causa nestas eleições...
Se o PSD for fiel àquilo que é a sua identidade política tradicional, é um partido que, por definição, vai buscar votos aquele que é o espaço que em última análise sempre decide eleições: o espaço da moderação. O PSD, sendo fiel a essa história, tem por natureza uma distinção profunda com o PS. Desde logo, no facto de ser um partido que sempre defendeu uma separação muito mais forte entre o Estado e determinados interesses particulares. O PSD, muito mais do que o PS, defende a independência de autoridades reguladoras, mecanismos de separação de poderes, aspetos muito importantes e daí também as propostas que fazemos internamente no PSD para assegurar a tal consistência daquilo que defendemos para o país e aquilo que deve ser a nossa forma de organização interna. Segundo aspeto em que a diferença é natural com o PS é a forma como o PSD concilia as ideias de liberdade e igualdade, que levam a que o PSD seja um partido que defende uma cobertura universal no domínio da educação, no domínio da saúde e, portanto, todos os portugueses têm de ter acesso universal à educação e saúde, mas defende isso com maior liberdade de escolha, não tem de ser necessariamente através da prestação desses serviços através do Estado. Só isso, desde logo, oferece ao PSD uma base de diferenciação clara relativamente ao PS. A isso acresce, desde logo, na prática política recente e até nas próprias posições que esta liderança do PSD tem defendido, uma defesa de que para o país, muito mais do que apostar num crescimento económico através do consumo, que tem sido, ainda por cima, medíocre e que nos coloca muito suscetíveis a uma crise internacional, o país tem de apostar num crescimento económico através do investimento e através do reforço da sua competitividade a nível internacional. Também isso é, do ponto de vista de modelo económico para o país, naturalmente diferente daquilo que o PS oferece. Se fizermos e apresentarmos de forma ainda mais clara estas diferenças, por definição os portugueses percebem que o PSD é um partido com projeto político bem diferente do PS.
Partilha da opinião de Passos Coelho quando defende nesta altura uma união das direitas para as reformas que o país precisa?
Acho que é natural que o PSD, sobretudo depois da recomposição da política portuguesa que aconteceu no final de 2015 com o facto de o PS e António Costa terem rompido com aquilo que era a tradição da política portuguesa, que era que o PS e PSD respeitavam o partido vencedor das eleições permitindo a esse partido, ainda que sem a maioria parlamentar, que governasse. Rompendo-se essa tradição, será muito mais difícil que qualquer um destes partidos, não é impossível, mas será difícil qualquer um destes partidos venha a ter a maioria do parlamento. É natural que estes partidos venham a depender no futuro de uma aliança com os seus partidos tradicionais, no caso do PSD com o CDS. Agora quando e qual será o momento em que isso ocorrerá, penso que não é agora, será mais tarde. Direi que é natural que isso venha a acontecer quando viermos a estar perante eleições, mas não entendo que isso deva ocorrer agora. Agora é importante que o PSD se concentre em unir o partido e em construir e a tornar claro para os portugueses qual é a diferença entre o seu projeto político e o do PS.
Se olharmos para a direita do PSD, nesta altura, podemos dizer que as coisas já não são tão moderadas quanto isso. Torna um pouco mais difícil o caminho do PSD para fazer estes acordos à direita?
Já tinha dito numa outra entrevista que havia posições do Chega que eram existencialmente contrárias a princípios da identidade política do PSD e, enquanto tal for o caso, não vejo que exista aí coligação possível. Quanto ao CDS, vamos ver. O seu líder tem proclamado que não defende uma posição, que é um conservador mas que não é um conservador radical e não defende uma posição de extremismo e de radicalismo político. Vamos ver... Claro que houve declarações antigas e que foram agora conhecidas de um membro da direção do CDS muito preocupantes, mas esse membro já saiu da direção do CDS, e vamos dar oportunidade à atual direção do CDS. Não devemos confundir conservadorismo com radicalismo. Devemos dar oportunidade à direção do CDS de ter até um percurso mais conservador do que aquele que é clássico do CDS, desde que seja um conservadorismo democrático e tolerante. Acho que isso é aceitável. E um partido que seja conservador mas tolerante e democrático é um partido com o qual o PSD pode fazer seguramente uma coligação.
Há espaço para o próprio PSD ser um pouco mais conservador?
Acho que o PSD sempre foi um partido que teve uma ala mais liberal, uma visão mais politicamente liberal, até nem sempre economicamente, mas politicamente, como é próprio da social-democracia. O próprio [Eduard] Bernstein que foi o originário da [social-]democracia disse que a social-democracia era a herdeira do liberalismo político. Eu também sou liberal nesse sentido e sou mais dessa ala, mas também há uma ala mais conservadora dentro do PSD, democrática, mas conservadora. Acho que o PSD sempre foi capaz de federar essas sensibilidades e deve fazê-lo.
Ao longo destes dois anos, Rui Rio não teve a vida facilitada dentro do próprio partido. Face à necessidade de o PSD se impor na sociedade, esta tensão interna vai terminar?
Costumo dizer que é mais difícil ser líder da oposição de um partido de governo do que ser líder do governo. Basta também ver a resistência e o tempo que duram os líderes da oposição para perceber isso mesmo. Também costumo dizer que, quem aguenta como líder da oposição de um partido desses, será inevitavelmente primeiro-ministro. Farei esta previsão: se o doutor Rui Rio aguentar como líder do PSD e na oposição, acabará por ser primeiro-ministro. Sobretudo, enquanto nós formos um regime capaz de assegurar essa alternância política e é muito importante que o PSD assegure isso. Uma preocupação que tenho muito grande é a de que não podemos evoluir para um sistema em que o PS funciona como pivô, em que vai alternando no poder com os partidos à sua esquerda ou com os partidos à sua direita, porque isso levar-nos-ia àquilo que eu já defini há algum tempo que é uma "mexicanização" do nosso regime. É muito importante que o PSD seja a tal alternativa para impedir isto mesmo, se o PSD conseguir ser isto, e isto não é antagónico, não é irreconciliável com a abertura que o PSD deve ter para colaborar e estar disponível para certos compromissos quanto a reformas estruturais, mas uma coisa é estar disponível para um compromisso em determinadas reformas estruturais que sejam fundamentais para o país - segurança social, saúde, educação - outra coisa é tornar-se uma bengala alternativa à esquerda do governo. Penso que não é isso que Rui Rio pretende, penso que às vezes nem sempre o PSD soube tornar clara essa diferença nos últimos anos, acho que Rio está ele próprio a aprender a tornar mais claro a diferença entre o PSD não estar disponível para viabilizar um governo do PS e a disponibilidade que o PSD terá sempre de ter enquanto partido responsável do nosso regime para participar e estar aberto a compromissos em questões fundamentais das nossas políticas públicas e dos aspetos fundamentais da organização do nosso Estado. Essa diferença é muito importante. Se Rui Rio fizer isso, não apenas será um bem-sucedido líder do PSD, e portanto um bem-sucedido líder da oposição, mas acabará por chegar até mais rapidamente à liderança do governo.
Ainda assim não me respondeu propriamente à questão das tensões internas. Vão ou não parar neste mandato de Rui Rio?
Acho que há uma responsabilidade, quer daqueles que venceram as eleições, quer daqueles que perderam as eleições, de esquecerem que estiveram em lados diferentes nas eleições, que hoje são todos militantes do PSD e que têm todos de contribuir para este desafio que o partido tem. Como tenho insistido, é aquele afirmar de um projeto político alternativo claro, ao mesmo tempo que mantém o tal espaço para o compromisso que é fundamental na política e para o funcionamento da nossa democracia.
Crê num regresso, no médio prazo, de Pedro Passos Coelho?
Nunca digo "nem que Cristo desça à Terra" porque Cristo já desceu muitas vezes à Terra na política portuguesa e, portanto, não faço afirmações desse tipo. Acho que ele é uma pessoa com enormes qualidades, que terá um futuro na política portuguesa, mas não o vejo no curto médio prazo a voltar à liderança do PSD. Acho que ele próprio não pretende isso e, provavelmente, o futuro político dele não passa por isso. Mas é uma pergunta que terá de lhe fazer diretamente, mas tenho a opinião de que ele é uma mais-valia para o país, em termos políticos, e que no futuro pode voltar a exercer funções políticas no país ou até representando o país a nível internacional.
E o Miguel Poiares Maduro está disponível para contribuir de forma mais ativa em cargos políticos no país?
Continuarei ativamente na política como estou agora. Entendo que é necessário fazer alguma coisa em termos de reforma dos partidos políticos e no meu partido faço propostas concretas. Agora o exercício de cargos políticos é algo que não me atrai neste momento, costumo dizer que gosto muito de política, mas não muito da vida política. Neste momento, o equilíbrio entre essas duas coisas leva-me a não querer exercer cargos políticos, embora não diga "nem que Cristo desça à Terra". No futuro, pode ser que esse equilíbrio mude, mas sinceramente no curto prazo não vejo isso acontecer.
