Eles abandonaram a vida citadina e vivem em comunhão com a natureza na Serra do Açor.
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No Pinhal Interior, bem no meio da Serra do Açor, está a nascer o projeto "Wildlings", que convida ao repovoamento do interior do país, através de testemunhos em webdocumentários de estrangeiros, mas também de alguns portugueses, que abandonaram a vida citadina em prol da natureza, da calma, e da agricultura sustentável.
Os documentários ficam disponíveis numa plataforma digital que tem também artigos sobre o ambiente, sustentabilidade ou alterações climáticas, e a ligação para cursos e artigos de educação nas mesmas áreas ou sobre agricultura sustentável.
Na base está o projeto que trouxe a holandesa Lynn Mylou a Portugal e que em outubro de 2017 foi reduzido a cinzas.
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Lynn Mylou é holandesa e não escolheu viver em Portugal. Foi o instinto que a guiou até à serra do Açor e a Portela de Cerdeira, no concelho de Arganil. Foi em Amesterdão: olhou o mapa e na sua "van" rumou ao desconhecido. "Guiei até aqui e foi o primeiro local que vi. Sabia que tinha de estar aqui, mas não sabia porquê. Porque ainda não conhecia as bonitas cascatas e desconhecia a existência de uma eco-comunidade por aqui", confessa com um sorriso no rosto.
Lynn chegou em 2016, arregaçou as mangas e construiu um negócio. O fogo de outubro de 2017 resumiu tudo a cinzas. É a vez dela fazer uma pequena faísca para acender um cigarro e para nos contar que ficou tudo um "quadro" negro. Foi preciso voltar a reerguer o trabalho de quase dois anos. É o que ainda está a fazer.
"Tinha um projeto na cabeça. Novas formas de produção de alimentos. Muito a fazer pelo consumo de alimentos vindos da florestas e Portugal em termos de clima e de espécies é um local bem melhor que a Holanda, o meu país. Em segundo lugar, as pessoas não são muito ricas, há ainda muitos terrenos disponíveis, o que faz com que sejam baratos quando comparados com qualquer outro sítio da Europa", diz.
Semeou em Portela de Cerdeira em Arganil o seu projeto de vida.
Criou as infraestruturas: sistema de rega, plantações e planeou cursos de agricultura moderna e sustentável. Estava tudo pronto, mas desapareceu tudo a 15 de outubro de 2017.
Tiago Cerveira, realizador do "Wildlings" afirma que Lynn é apenas uma das seis histórias que estão ser contadas no projeto, que em português significa "selvagens": aqueles que vieram repovoar o interior abandonado pelos portugueses. Trata-se de um convite para investir no interior do país. Quem lá estava e que viveu os incêndios de outubro, a quem ardeu a vida profissional, não baixou os braços e merece, para o realizador, ser reforçada essa mensagem.
O projeto conta também com a participação do webdesigner Rodrigo Oliveira. Oriundos da região, afirmam que são precisas pessoas, na Serra do Açor e em qualquer interior de Portugal: portugueses ou estrangeiros.
Na paz de Cerdeira os negócios germinam
Voltamos agora ao centro de Cerdeira, ao café da Lena, à árvore que dá sombra à conversa com Lynn, ao barulho dos tratores. "Sinto que todos os sistemas do passado, desde a revolução industrial, não foram desenhados para serem sustentáveis e têm um grande impacto negativo no meio ambiente. Por exemplo, as monoculturas, os pesticidas, não é funcional. Pode dar grandes benefícios a curto prazo, mas a longo prazo destruímos os solos e destruímos o ciclo natural da natureza", sublinha.
Lynn aposta na economia circular. Devolver à natureza o que nos dá. A compostagem é apenas um exemplo. Mas sobretudo respeito pela natureza e pelo meio ambiente que nos rodeia. O grande objetivo dos documentários é o de "inspirar os outros com as nossas histórias, para que pensem nas suas escolhas e em como podem minimizar os impactos nas espécies e no ambiente. A Inspiração é pequena... por vezes a perceção que as pessoas têm de quem vive aqui não corresponde à realidade", confessa.
E sem papas na língua, Lynn compõe o cachecol que a protege do vento frio que chega da serra e traça a imagem que os portugueses têm de quem vive por aqueles lados: "As pessoas assumem a imagem que só temos velhos a viver aqui, e por outro lado, um conjunto de hippies a fumar erva e que não seguem as regras, não trabalham, e não fazem nada. Ambas os cenários não correspondem à realidade. Há aqui um grupo especial de portugueses que está a voltar, mas também europeus. Queremos mostrar as pessoas, as. histórias, o que fazem: temos por exemplo arquitetos ou construtores".
Histórias que estão a estrear todas as semanas, em documentário, e que podem ser vistas no website criado pelo Rodrigo Oliveira.
Já com o microfone desapontado e o gravador desligado, Lynn Mylou queixou-se da falta de apoios financeiros e da ausência de linhas de crédito acessíveis a quem queira investir no interior e em projetos de agricultura sustentável.
Para além do site, haverá, como ouvimos, um livro em abril, que é uma espécie de guia turístico para o Pinhal Interior, revelando cascatas e piscinas naturais escondidas pelo território, mas também informação sobre a biodiversidade da região.