Sem centro oncológico no Algarve, doentes percorrem centenas de quilómetros para fazer um exame
A construção da infraestrutura tem andado envolta em discussão entre PS e PSD
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António Ramos recebeu o diagnóstico há dois anos. Tinha um tumor no pulmão e outro no fígado. “Fui operado ao pulmão em fevereiro do ano passado e está estável, agora estou a tratar do fígado, mas houve um pequeno atraso”, conta.
O “pequeno atraso” no diagnóstico levou a que as metástases no fígado passassem de duas para doze. Tudo porque o Centro Hospitalar e Universitário do Algarve e o Hospital de Faro, em particular, onde o doente está a ser seguido, não tem o equipamento para realizar o chamado Positon Emisson Tomography (PET Scan). É um exame que permite detetar onde se encontram os tumores, qual o seu tipo e as metástases já existentes no corpo.
Invariavelmente os pacientes daquela unidade hospitalar são enviados para Lisboa ou Sevilha. ”Já fui três vezes a Sevilha e em uma delas cheguei lá e não fiz nada porque não tinham o contraste”, afirma. António e outros dois doentes não foram avisados previamente e partiram de ambulância de Faro às 06h00 e chegaram a meio da tarde, sem terem realizado o exame.
O paciente está a fazer quimioterapia por via oral e daqui por algum tempo terá de realizar novo PET para perceber se o tratamento seguido está a resultar. Desta vez, um pouco mais longe, em Coimbra, a 500 quilómetros de distância de Faro. “Eu tenho 66 anos, mas imagino as pessoas que têm 70 ou 80 anos, o que essa gente sofre”, lamenta António.
Sem um centro oncológico no Algarve que aglutine todas as valências, há anos prometido pelo poder político, mas que não se sabe quando e se vai ser construído, os doentes do sul do país são sujeitos a estas provações. Este ano, no Orçamento do Estado, estavam inscritos oito milhões de euros para a obra e a câmara municipal de Loulé cedeu terreno para a construir no Parque das Cidades, perto do estádio Algarve. Mas, curiosamente, depois de feito e apresentado o projeto de arquitetura, a autarquia alegou que ele tinha dimensões superiores ao desejado.
O parecer dos técnicos refere também que o projeto não se coaduna com uma “área verde equipada”. Depois de críticas do PSD, a câmara socialista de Loulé já admitiu rever o Plano de Pormenor do local para que a infraestrutura seja construida. Entretanto, o Partido Social Democrata e o Partido Socialista chamaram à Comissão de Saúde do Parlamento os atuais e administradores da ULS do Algarve, os presidentes da câmara de Loulé (Vítor Aleixo) e Faro (Rogério Bacalhau) e o presidente da Comissão de Coordenação da Região do Algarve (CCDR), José Apolinário, para uma audição que está marcada para dia 25 de fevereiro. Entretanto, a ministra da Saúde já afirmou também na Assembleia da República que o futuro Centro Oncológico do Algarve ficará integrado no Hospital Central do Algarve, que não se sabe quando avançará.
Enquanto estas obras não se realizam, os doentes são obrigados a fazer uma viagem de ida e volta de, no mínimo, 400 quilómetros. “O cancro é uma doença que tem uma carga emocional muito forte e física também”, afirma António. “Eu subo três degraus e canso-me. Fazer tantos quilómetros (…) é muito forte”, lamenta.