Sem direito a visitas nem bolo-rei. Reclusos tratados como "portugueses de segunda" no Natal
Associações de apoio aos reclusos condenam o cancelamento das visitas às prisões neste Natal e avisam que está é uma "machadada" na recuperação dos presos.
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Vai ser um Natal sem visitas nas prisões. Devido à pandemia de Covid-19 e ao estado de emergência dela decorrente, os reclusos não podem estar com as famílias e também não estão autorizados a receber apoio religioso.
Manuel Almeida dos Santos é presidente da Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos (OVAR), uma associação que dá apoio a cinco prisões da região Norte: Custoias, Paços de Ferreira, Vale do Sousa, Santa Cruz do Bispo e também à prisão da Polícia Judiciária do Porto. Em declarações à TSF, confirma que não haverá visitas nas cadeias e que nem o arcebispo de Braga conseguiu visitar os presos.
"Não vai haver visitas de assistência espiritual e religiosa", indica Manuel Almeida dos Santos, citando a determinação do diretor-geral dos serviços prisionais. "Ainda ontem [quarta-feira, 23 de dezembro], o bispo de Braga foi visitar os estabelecimentos prisionais, mas não teve possibilidade de falar com os reclusos", nota.
Perante a ausência de visitas neste Natal, os reclusos estão mais deprimidos e emocionalmente perturbados, afirma o presidente da OVAR.
"Proibir estas visitas é uma machadada muito grande na recuperação dos reclusos e na reinserção social", defende.
"Temos recebido cartas de reclusos que manifestam o seu desencanto e o seu desalento por estarem a ser privados do convívio", refere Manuel Almeida dos Santos, que não tem dúvidas de que "está a haver um aumento de situações de perturbação psíquica e emocional". "Os reclusos estão deprimidos, obviamente", resume.
O presidente da OVAR pede, por isso, mudanças nas regras, alertando que a cura pode ser pior do que a doença.
"Será que muitas das medidas que estamos a utilizar para combater um mal [a pandemia de Covid-19] não estão a causar males piores?", questiona Manuel Almeida dos Santos. "Penso que não tem havido a devida ponderação das consequências [das regras em vigor]", acrescenta.
Ouvido também pela TSF, o presidente da Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR), Vítor Ilharco, considera que os presos são tratados como "cidadãos de segunda" e apela ao Presidente da República para que não se esqueça das limitações por que passam os reclusos neste Natal.
"Nem sequer permitem que se leve um bolo-rei ou qualquer coisa para tornar mais fácil a passagem desta época. [Os reclusos] não são considerados portugueses de primeira", condena Vítor Ilharco.
"Penso que o sr. Presidente da República podia ter aqui uma palavra. É o "Presidente dos afetos" e, portanto, devia lembrar-se que nas cadeias há excluídos. Ele [Marcelo Rebelo de Sousa], que luta tanto contra a exclusão, que não se esqueça que os reclusos são os mais excluídos dos excluídos, assim como as suas famílias - porque a família também tem o direito a ter contacto com quem está detido", sublinha.
A APAR lamenta também que ainda não haja orientações sobre o uso de máscaras nas prisões e afirma a sua preocupação em relação ao plano de vacinação contra a Covid-19.
Vítor Ilharco frisa a "extrema preocupação" sentida perante "o esquecimento total que a Direção-Geral da Saúde tem na questão da vacinação dos reclusos". Lembra que, enquanto em países como a Inglaterra e os Estados Unidos - onde nem existe uma grande preocupação com a reinserção dos presos -, a comunidade prisional (reclusos, guardas prisionais e funcionários das cadeias) foi incluída entres os primeiros grupos de vacinação, em Portugal "ninguém fala nisso". "Também ninguém fala das máscaras, e os reclusos continuam a andar sem máscaras", alerta ainda.
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