Sérgio Godinho: "Se não votarmos, não nos podemos queixar de que somos maltratados ou mal governados"
O Voto é a Arma do Povo: as primeiras eleições livres fazem 50 anos e a TSF convida 25 personalidades a falar sobre a importância do voto. Numa altura em que o país se prepara para ser chamado às urnas, Sérgio Godinho sublinha que o voto é, antes de mais, um "ato de cidadania" e, acima de tudo, "imprescindível"
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É autor de inúmeras músicas que compõem a banda sonora do 25 de Abril, mas rejeita o rótulo 'intervenção', até porque "intervir é em tudo". Num ato que fica particularmente marcado pelo calendário eleitoral, Sérgio Godinho defende que, quem se abstém, deixa de poder queixar-se de que o país é "maltratado ou mal governado".
A propósito dos 50 anos das primeiras eleições livres, o artista conta que cresceu numa família, sobretudo o pai, "completamente oposicionista" ao regime ditatorial de Oliveira Salazar. Destaca, particularmente, o "entusiasmo" com a candidatura de Humberto Delgado às presidenciais de 1958.
"Nessa altura, [o meu pai] percebeu que aquelas eleições tinham sido uma fraude. Até porque houve amigos dele que votaram em mesas que depois foram anunciadas como tendo zero votos para o Humberto Delgado, quando eles próprios tinham votado no Humberto Delgado. Isto prova que o regime apanhou um grande susto e não houve mais eleições", explica.
Foi ainda muito cedo que Sérgio Godinho decidiu deixar o país. Tinha 20 anos quando rumou à Suíça, tendo depois passado por França e Austrália. Quando foi chamado para integrar a tropa portuguesa, no decorrer da guerra colonial, "claro" que não respondeu. "Depois já nem tinha passaporte, tornei-me refratário. Refratário é aquele que não responde ao serviço militar. Desertor é aquele que já tem farda e que deserta", esclarece. Esteve fora durante nove anos, tendo lançado o álbum "Os Sobreviventes" e "Pré-Histórias".
Tudo havia de mudar aquando da Revolução dos Cravos: apesar de ter visto o seu disco proibido durante o Estado Novo, as suas canções eram "conhecidas" e "cantadas pelo povo", nos espetáculos de canto livre, e Sérgio Godinho não esconde que esta realidade foi "muito empolgante".
"Quando eu voltei [a Portugal], fui logo envolvido. Isso foi um acontecimento que foi muito importante, porque, de repente, eu pude cantar. Para já, a alegria de o regime ter mudado, da democracia existir em Portugal,embora ainda em formação, e de estar tudo a acontecer quase ao mesmo tempo, com as suas contradições, mas também com os seus avanços e recuos. Mas uma democracia que se instalou e que até hoje existe, com todas as suas imperfeições. Aliás, não há democracias perfeitas", ressalva.
Rejeita, contudo, o rótulo intervenção, referindo que as suas canções tratam temas diversos: "Eu nunca gostei da palavra intervenção, porque intervir é em tudo. Intervém-se de tantas maneiras." Prefere, por isso, a ideia de conseguir trazer às pessoas "algo de estimulante a nível de pensamento e emoção" com a sua música.
"Eu digo sempre que os meus espetáculos são uma mistura de energia e de emoção, porque tudo isso está misturado. Mas não tenho nenhum sentido missionário, não trago uma mensagem", clarifica.
O ano seguinte trouxe consigo uma nova sensação de alívio: em 25 de Abril de 1975, o país foi chamado pela primeira vez a eleições livres para formar a Assembleia Constituinte.
"Em 1975, evidentemente, foi uma alegria. E eu que sabia de todas as vicissitudes do voto e da ditadura, de poder votar em liberdade, em 1975, e desde aí, sempre votei", assegura.
Transpondo estas vivências para o período atual, o cantor identifica desde logo uma diferença: "Há uma coisa que é bastante importante em relação ao voto e do que se trata. Vamos ter eleições, coisa que a gente não tinha, de facto." Sérgio Godinho reconhece que a democracia "não se esgota no voto", mas aponta que é um ato que integra o regime.
"Inclusivamente, posso dizer que houve uma vez em que votei em branco, mas vim votar. Porque acho que é importante. E é aí que, se não votarmos, não nos podemos queixar de que somos maltratados ou mal governados. Pelo menos temos que participar nesse ato. Isso é absolutamente imprescindível", defende.
Para o artista, votar é uma oportunidade para que toda a gente possa "expressar a sua vontade", de forma individual. A ida às urnas, completa, é "participar num ato de cidadania" que é "muito simples".
"E não vale a pena dizer: 'Ah, isto fica tudo na mesma, não vale a pena.' Porque cada desistência, depois as pessoas que não se venham a queixar", alerta.
Já sobre o crescimento da extrema-direita um pouco por todo o mundo, Sérgio Godinho considera que este é um fenómeno "quase inevitável". Ainda assim, admite que o aparecimento e apoio desta fação "corresponde a ciclos". "Não quer dizer que vai durar sempre, mas não há dúvida que há acontecimentos muito preocupantes", afirma.
"Era quase 'estranho' que ainda não tivesse acontecido em Portugal, porque [a extrema-direita] é um movimento que se está a expandir, não só na Europa. Penso nos Estados Unidos, naquele lamentável fenómeno de Trump, e na Argentina, e já tivemos o Bolsonaro, embora agora felizmente não tenhamos", considera.
No caso particular de Portugal, o músico enfatiza que é "preciso não cair na sedução" desta fação política e revela ter a esperança de que possa haver uma "diminuição" do número de deputados eleitos pelo Chega.
Sérgio Godinho confessa ainda que a guerra na Ucrânia e na Faixa de Gaza, uma situação particularmente "terrível", são "acontecimentos preocupantes".
"O que está a acontecer é absolutamente horroroso", adjetiva.
Depois de uma revolução quase sem sangue, Portugal está há 50 anos a utilizar a arma mais forte que o povo tem: o voto. A TSF convida 25 personalidades a falarem sobre a importância da participação dos eleitores. Para ouvir todos os dias na antena da TSF de manhã, à tarde e à noite, e a qualquer hora em tsf.pt