"Só os estradões sobressaem como mapa desenhado na floresta negra"
Nas aldeias atingidas pelos incêndios de meados de julho ainda não se recuperou do choque.
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Nos próximos dias 5 e 6 de agosto haverá festa em Bustelo, no concelho de Chaves. Foi lá que no dia 15 de julho começou um dos maiores incêndios deste ano, até agora, em Portugal. A população ainda chora os "80% da freguesia" ardidos, segundo o presidente da Junta, José Serralheiro. Mas, "vão-se os anéis, ficam os dedos". Assim, como assim "está tudo perdido e está", ao menos "alegra-se um pouco o povo".
Serralheiro fala com emoção. A festa já estava marcada e tudo acordado. Ironicamente é em honra do Senhor dos Aflitos, padroeiro da freguesia. Aflição foi coisa que por ali não faltou quando o incêndio andou à volta da povoação. A Maria da Conceição Pires "só não ardeu a casa por sorte". Jaime Moura diz que "é melhor nem falar". Quando chegou à sua propriedade depois de o incêndio ser dado como extinto ficou "como se a alma tivesse caído".
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Não houve vítimas na freguesia, mas "80% da área está ardida", insiste José Serralheiro. E nessa área inclui-se uma floresta que estava já a dar rendimento em resina. São "150 hectares de pinheiros, carvalhos e sobreiros". Refere-se a ela como "o pulmão da cidade de Chaves".
"Só os estradões sobressaem como mapa desenhado na floresta negra", lamenta o autarca. "Ainda há três anos lá tínhamos investido mais de 80 mil euros num projeto". Este ano já lá moravam "mais oito mil euros" na limpeza dos estradões. E agora estão cobertos de negro.
Em Curros, aldeia do concelho de Valpaços, o fogo destruiu milhares de castanheiros, muitos deles de Ernesto Eira. "Arderam, à vontade, uns 1000 a 1100". Tinha à volta de 1500, "alguns com 30 anos e já a produzir bem".
E como a ele aconteceu a muitos mais proprietários, tanto no concelho de Valpaços, como no de Murça, onde o incêndio começou no dia 17 de julho e durante quatro dias destruiu quase 9000 hectares de mato, floresta e culturas naqueles dois concelhos e no de Vila Pouca de Aguiar. Replantar os castanheiros, está, para já, posto de lado. "Só se o Estado ajudar", refere Ernesto. Porque dizem que "fica muito caro" e este ano não vão ter rendimentos da castanha.
Para esquecer há também sustos de quem viu a casa quase atingida pelas chamas, como aconteceu a Maria Teresa Feijó, em Cambedo, Chaves. Continuam presentes na memória as "chamas medonhas com 30 metros de altura, ou mais". E o marido que não saía de lá, com "o fogo dobrado em cima dele, a cuidar que não chegasse à casa". Enfim, "chegou aos pés dela, mas não ardeu".
Em Vilela Seca o lume chegou a um solar de 1920 onde só morava Domingos Calvão. Só não arderam as paredes. Morreram alguns cães. Salvou apenas uma fotografia antiga, umas calças e uma lanterna. A casa está no meio de uma propriedade murada cheia de mato, que também ardeu. Outras casas, todas devolutas, também foram consumidas por este incêndio em localidades próximas, como em Torre de Ervededo.
A Câmara Municipal de Chaves espera concluir nos próximos dias o levantamento total dos prejuízos causados. A primeira estimativa do presidente da Câmara flaviense, Nuno Vaz, era de seis mil hectares destruídos em cada um dos lados. A autarquia vai avaliar a possibilidade de acionar a declaração da situação de calamidade.
Entretanto, até ao final de agosto, o Governo deverá publicar um aviso no âmbito do Programa de Desenvolvimento Rural que visa apoiar a reposição do potencial produtivo nos concelhos onde ardeu floresta e culturas agrícolas. Haverá também uma linha de apoio aos produtores pecuários e atribuição de novos direitos para plantação de vinha.
