Soares também é uma rua: as memórias dos vizinhos da família do antigo Presidente
A maioria das pessoas que circula nesta rua de Lisboa são jovens alunos e adultos com casacos azul-escuro, de farda, onde se lê: "Colégio Moderno." Só os mais velhos se lembram que no prédio da esquina vivia Mário Soares, mas a família está em todo o lado
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A Rua Dr. João Soares, ali no Campo Grande, em Lisboa, é pouco mais que um cotovelo de prédios antigos.
Num edifício de esquina lá está a casa do antigo Presidente da República. Um clássico dos anos 70. Ao lado, uma loja de vestidos de noiva. Depois, o restaurante Capas Negras e, logo ao lado, o restaurante Borges.
"Estou aqui desde 1985", conta Diogo, o dono do "Borges", que teve de vir à rua falar com a TSF, tal é a azáfama lá dentro, em plena hora de almoço.
"Foi um tio meu que era segurança do Mário Soares que me foi buscar ao Alentejo e me trouxe para aqui", faz questão de contar com um sorriso de quem constata "as coincidências da vida". "Comecei como empregado e hoje sou patrão."
Diogo tem uma memória respeitosa de Mário Soares: "Passava aqui à porta, era sempre - Bom dia! Boa tarde! - e pouco mais. Às vezes entrava para cumprimentar algum cliente."
"Era algo distante", conta por seu lado Teresa. Trabalha há 30 anos no Ritos, um snack bar que hoje são dois, um de cada lado da rua.
"Decidiu-se abrir este espaço por causa do Colégio Moderno (ali a menos de 20 metros)." E foi uma excelente ideia.
Ainda hoje o Ritos está cheio de rapazes e raparigas barulhentos que comem alguma coisa, fazem trabalhos de grupo ou ficam por ali a namorar.
"Conheci muito bem o Dr. Mário Soares... muito educado. Andava sempre com os seguranças. Agora a dra. Maria Barroso, essa era outra coisa! Não se importava com o avental - aponta para o que traz atado à cintura - sentava-se ali a comer o seu bolo. Era de uma simplicidade, uma grande senhora, baixava-se para apanhar um papel e ia colocá-lo no lixo."
Teresa conheceu o casal e acompanhou-lhes os funerais. Conhece os filhos e já os filhos dos filhos. Todos pelo nome e com um resumo breve da personalidade de cada uma na ponta da língua. Todos por aqui passaram e passam. Os Soares e outras três gerações, de outros apelidos, que frequentaram o Colégio Moderno.
O Colégio ainda hoje é gerido por Isabel Soares, filha de Maria Barroso e Mário Soares. Tem berçário, ensino básico secundário e agora até uma escola de música. Ocupa vários edifícios da Rua Dr. João Soares.
À porta do colégio, os homens de casaco azul-escuro vão fazendo a chamada dos alunos pelo nome e apelido, em alta voz, como quem faz licitações.
Do lado de cá do portão alto, de ferro, chegam os familiares que vão esperando e espreitando, a ver "se já lá vem".
Georgina Castro vem buscar a neta. "Era lá de casa", da casa da família Soares, ali no princípio da rua. "Era uma casa linda, tinha uma biblioteca maravilhosa...um político à antiga. Já não se fazem!"