Sócrates e o TGV. "Não é um problema técnico, é um problema de preconceito político"
Antigo primeiro-ministro volta a falar de uma das grandes bandeiras do Governo que liderou, com o tema a regressar à discussão após o líder do PSD descartar a hipótese de TGV e garantir que só apoia comboio de alta velocidade.
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Um TGV ou um comboio de alta velocidade. O tema volta a estar em cima da mesa, depois de Rui Rio ter voltado a defender um "comboio com uma velocidade elevada, que seja um investimento muito mais reduzido" comparativamente ao TGV. José Sócrates, o grande impulsionador da ideia em Portugal, recorda um debate televisivo eleitoral do ano passado e ataca o líder social-democrata.
Num artigo de opinião no Diário de Notícias, o antigo primeiro-ministro aponta o dedo a Rui Rio, referindo que falou com "aquele ar de domínio técnico do assunto que torna tudo evidente e simples" e onde justificou que "o TGV só se justifica para cidades com distâncias entre si de mais de seiscentos quilómetros", dando como exemplo a ligação entre Paris e Bruxelas. O antigo governante começa por corrigir: "A distância entre estas duas cidades é de trezentos quilómetros e a distinção entre alta velocidade e TGV não existe."
Sócrates considera ser uma uma ideia "não só errada, mas também impossível" a de "melhorar o traçado da linha de modo a que o percurso entre Lisboa e Porto possa ser feito em menos de duas horas", justificando que seria necessário renovar a linha do norte para permitir "uma velocidade máxima de 210 km por hora (de modo a obter uma velocidade média de 163 km por hora)" e o que significaria, diz, "refazer 77% da linha".
"O custo estimado seria de 3000 milhões de euros para ganhar cinquenta minutos", sublinha. Apesar disso, acrescenta, a velocidade "dificilmente seria atingida em razão dos tráfegos heterogéneos - comboios rápidos, comboios urbanos e comboios de mercadorias, todos convivem na mesma infraestrutura".
José Sócrates acredita que estas razões explicam o "fracasso continuado do projeto da chamada modernização da linha do Norte", que levou a "investimentos elevados e a melhorias pouco significativas".
"Todavia, como julgo que está cada dia mais claro, o problema do TGV em Portugal não é um problema técnico mas político ou, melhor dito, um problema de preconceito político", salvaguarda o antigo governante, comparando o comboio de alta velocidade ao Alqueva e até ao novo aeroporto e referindo que há uma ideia de se ser "contra tudo o que seja projeto público, modernizador e ambicioso".
O antigo primeiro-ministro vai mais longe e diz mesmo que o problema "nada tem a ver com a comparação de alternativas, com o debate acerca dos custos e benefícios do projeto ou com as dúvidas da sua rentabilidade", mas sim com o governo que liderou.
"O problema reside no facto deste projeto se ter transformado numa bandeira daquele governo. A extraordinária história política do projeto vem do tempo em que a direita política começou por o defender, ainda no governo Durão Barroso. Depois, na oposição, resolveu criticá-lo e, mais tarde, já de novo no governo, decidiu suspende-lo, apresentando-o como símbolo de despesismo", aponta.
Neste seguimento, Sócrates diz que foi preciso "ir ainda mais longe", acusando o Ministério Público de ter feito o "trabalho sujo" por, "conscientemente", ter criminalizado o projeto, com a inclusão na Operação Marquês.
Sócrates explica que a acusação do Ministério Público é como o primeiro-ministro da altura terá "manipulado os ministros de modo a que fosse introduzida no contrato de concessão do TGV uma cláusula que daria ao vencedor do concurso um direito a ser indemnizado de forma desproporcional no caso de o contrato não obter o visto do Tribunal de Contas".
"Eis uma acusação que parece saída de um romance policial que tem a vantagem de ser escrito do fim para o princípio - há certamente um crime, resta agora descobrir qual. E quanto mais surpreendente melhor", afirma, reforçando que a cláusula "não resultou de nenhum impulso político, não é ilegal, não é prejudicial ao interesse público e resultou de uma negociação informada, diligente, racional e vantajosa para ambas as partes".