Sócrates critica PS e nega interferência na Caixa. Perguntas "visam o enxovalho"
José Sócrates acusa os partidos - PS incluído - de não terem chamado os outros ex-primeiros-ministros e de misturarem propositadamente política e justiça.
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"A inquirição política passa assim a fazer parte do jogo judicial".
A frase é uma das primeiras que o ex-primeiro-ministro escreve nas considerações iniciais da resposta à Comissão Parlamentar de Inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CPI).
Na carta de 23 páginas - à qual a TSF teve acesso e que a TVI noticiou na quarta-feira - José Sócrates escreve que o país joga um jogo perverso: "a acusação do Ministério Público justifica as perguntas políticas e estas, por sua vez, reforçam a acusação". Trata-se, escreve o antigo chefe de governo, de "um jogo de legitimação recíproca que tem, ao menos, a vantagem de tornar claro o quadro de fundo: eis a política e a justiça de mãos dadas para, em conjunto, ignorarem o principio de presunção de inocência".
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Sócrates sublinha que "apesar do período abrangido pelos trabalhos da Comissão ser aquele que vai de 2000 até ao presente, eu fui o único antigo primeiro ministro a ser convocado para prestar depoimento". E lamenta: "não posso deixar de notar que esta singular distinção teve a concordância do partido que apoiou o governo que liderei". É a primeira acusação ao PS, que complementa mais à frente, a propósito de Vítor Constâncio. Pode ler essa declaração mais à frente.
As dezenas de perguntas que lhe foram dirigidas pelos deputados da Comissão são, argumenta Sócrates, enviesadas: "quem ler as perguntas que me são colocadas percebe imediatamente o seu objetivo e o terreno de jogo em que se pretendem colocar", escreve, justificando que "elas não se destinam a procurar honestamente os factos ou a esclarecer seja o que for : elas visam usar politicamente o processo judicial em curso para provocar, para atingir, para ferir. Na verdade, não procuram resposta alguma - elas visam apenas o enxovalho público".
Depois das considerações iniciais, Sócrates responde, por blocos, às perguntas da Comissão. Eis alguns excertos dessas respostas.
Vale do Lobo
Sobre o investimento em Vale do Lobo, garante que nunca discutiu "fosse com quer que fosse nenhuma operação de financiamento de Vale do Lobo e nunca manifestei, nem nunca me foi pedido, qualquer apoio à decisão de financiamento"
Campos e Cunha
"Recordo que, na altura em que o governo iniciou funções, era permitido aos funcionários públicos aposentados continuarem a trabalhar no Estado acumulando o vencimento com a pensão. A situação era injusta a vários títulos e o governo decidiu altera-la, exigindo que o aposentado escolhesse entre duas alternativas - ou um terço do salário acrescido da pensão completa, ou um terço da pensão mais o vencimento. Uma coisa ou outra. A aprovação desta lei desagradou-lhe fortemente por razões pessoais - o ministro estava justamente nessa situação. Esta foi a verdadeira razão para a sua saída, razão essa que é conhecida por todos aqueles que estavam no governo da altura".
Quero desmenti-lo. Não é verdade que alguma vez o tenha pressionado para mudar a Administração da Caixa Geral de Depósitos. Isso nunca passou de uma miserável falsidade e de uma pobre e lamentável encenação para justificar a sua saída do Governo.
Guerra no BCP
"Acompanhei a crise na administração do Banco Comercial Português pelos jornais".
Vítor Constâncio
"O caso Vítor Constâncio suscita varias perplexidades. A primeira talvez seja a de confirmar o indomável caminho que uma notícia falsa pode fazer, sobretudo se ela visar a reputação de alguém já na mira da política. A distinção entre a operação de crédito ao senhor José Berardo - da exclusiva responsabilidade da Caixa Geral de Depósitos - e a atribuição de idoneidade para deter participação qualificada num banco, esta sim da responsabilidade do Banco de Portugal, não é difícil de entender. Não obstante, apesar de todas as explicações e de todas as clarificações, a fraude continuou, imparável, o seu caminho, sem que nenhum movimento de simples decência lhe tivesse feito frente".
"Nunca discuti com o senhor Governador do Banco de Portugal qualquer assunto relacionado com a crise na administração do BCP ou com financiamentos da Caixa Geral de Depósitos, nem ele alguma vez mostrou qualquer intenção de discutir tais matérias comigo ou com o governo. A independência do Banco de Portugal prevista na lei foi sempre seguida de forma escrupulosa".
"Talvez seja preciso repetir o óbvio: os únicos responsáveis pelo empréstimo ao senhor José Berardo são os administradores da Caixa Geral de Depósitos - os únicos".
"Há muito que Vítor Constâncio o é dos partidos da direita, a diferença agora é que se tornou o alvo de todos - incluindo daquele de quem foi secretário geral e que o ataca tão injustamente como todos os outros".
Berardo
"Nunca reuni com o senhor José Berardo em 2007. A única reunião de trabalho - a única - que tive com ele decorreu no meu gabinete, a pedido da então Ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, para discutir a possibilidade de um acordo entre o Estado e a Fundação Berardo para que a sua coleção fosse exposta no Centro Cultural de Belém. Essa reunião aconteceu antes do acordo que foi assinado a 3 de Abril de 2006 e nunca mais tive qualquer outra reunião de trabalho nem acompanhei o desenrolar das negociações, que decorreram no respetivo Ministério da tutela".
Projeto La Seda /Artland
"E muito impressionante verificar que nunca houve uma referência na comissão a este simples facto - o projeto PIN foi construído, os postos de trabalho foram criados e a fábrica esta a operar".
"Nunca entrei em contacto com nenhum administrador da Caixa Geral de Depósitos para interceder pelo projeto"
Considerações Finais
"O meu Governo sempre respeitou a autonomia de gestão da administração da Caixa Geral de Depósitos e nunca interveio em matérias que eram da competência da administração do banco - e , em consequência, da sua responsabilidade. O Parlamento já fez duas Comissões de Inquérito e ouviu dezenas e dezenas de testemunhas. Pois bem, em nenhum momento - repito, em nenhum momento se ouviu alguém dizer que eu, ou o Ministro das Finanças que tutelava essa área política, alguma vez tenhamos tentado intervir nesses assuntos, dando orientações ou fazendo sugestões".
"A pergunta óbvia afinal é esta : como compara a Caixa Geral de Depósitos com os restantes bancos - teve mais ou menos imparidades , teve mais ou menos crédito concedido com um risco que, hoje, parece inaceitável ? Infelizmente não me parece que este ponto esteja na agenda da Comissão".