"Somos filhos de uma geração que teve de estar em modo de sobrevivência"
A comediante Joana Gama acaba de lançar o livro "Alguém que me cale", uma viagem pelas "entranhas" da autora desde o nascimento até ao medo da morte.
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Quando andava na escola, os professores diziam-lhe que tinha uma escrita demasiado "oral", e Joana Gama decidiu transformar a crítica numa ferramenta de trabalho. Foi nesse tom coloquial que a comediante escreveu o livro "Alguém que me cale", no qual se propõe a mostrar as entranhas "para que ninguém se sinta sozinho sem querer".
Dividido em três capítulos (o princípio, o meio e o fim) o livro faz uma viagem pelas diferentes fases da vida da autora e explora temas considerados sensíveis como o assédio, o sexo e a morte. Joana Gama serve-se da sua própria experiência e deixa a nu traumas, anseios e dores de crescimento. A obra é, nas palavras da autora, "um exercício de dessacralização e também terapêutico".
Com a consciência de que sabe "muito pouco" e apesar de não se sentir "uma embaixadora da saúde mental", a humorista admite, em entrevista à TSF, querer criar no leitor um sentimento de pertença, já que um dos seus maiores medos é sentir que não pertence a lado nenhum. Por isso, propõe-se a "quebrar essa ausência de diálogo, essa vergonha ou essa cerimónia de todos parecermos muito felizes, muito equilibrados, muito ideais".
Apesar de estar consciente dos riscos de expor questões tão íntimas como a relação com os pais, Joana Gama assegura que não poderia ser de outra forma. "Senti que tinha de dar algo de especial, alguma coisa de íntimo, porque acho que uma partilha tem de ter textura, tem de ser relevante", confessa.
Embora acredite que o mundo seria melhor se todas as pessoas tivessem melhores infâncias, o propósito da autora ao expor relatos pessoais não é apontar culpas a quem a ajudou a crescer. "O meu objetivo neste livro não era responsabilizar os meus pais pelos meus traumas de infância", garante a autora, para defender, logo de seguida, que "qualquer existência carece de traumas para que nós possamos ultrapassá-los, vencê-los, ganhar autoestima, método e sermos resilientes".
Ainda assim, a comediante apoia a tese de que "a nossa personalidade é maioritariamente definida nos primeiros anos da nossa infância e que, infelizmente, somos filhos de uma geração que teve de estar em modo de sobrevivência e que não conseguiu ter tempo, disponibilidade e educação para estar atenta a todos os fatores psicológicos", o que levou a que muitas crianças sentissem que "não tinham ninguém disponível" para as ver e validar os seus sentimentos.
Joana Gama espera que o seu exemplo sirva para os pais da sua geração conseguirem ter "mais ferramentas, mais vontade e maior sensibilidade a outras coisas que não as essenciais para a sobrevivência" e para todos os que se querem sentir mais em paz com a solidão, a depressão e o desajuste entre as suas vontades e as expectativas da sociedade.
"Se todos nós encaixássemos que a vida é feita de altos e baixos, de coisas boas e de coisas más, de coisas bonitas e de coisas tristes e que tudo tem o seu papel, creio que viveríamos todos mais em paz com aquilo que nos torna mais humanos, que é essa instabilidade emocional", remata.
A autora vai estar, este sábado, dia 5 de setembro, às 16h30, na Feira do Livro de Lisboa, para uma sessão de autógrafos.
