“Somos poucos e estamos em risco de desaparecer.” Como uma marioneta está a alertar populações para a defesa do lince ibérico
O ICNF prepara uma norma, à semelhança do que existe para o lobo, para indemnizar quem tiver os seus galinheiros atacados por linces
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Assim que apareceu a Urânia, o lince-marioneta, começou logo a arrancar sorrisos às crianças. Pêlo amarelo comprido, pintas no corpo, olhos vivos, boca aberta num grande sorriso. É assim este boneco- lince. A ideia partiu do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) que decidiu sensibilizar as populações residentes nos territórios onde foi introduzida esta espécie, para a necessidade de a preservar e de saber coexistir. Contratou a empresa Proactive Tour, que, por sua vez, contactou a associação Picada Cultural e esta a Marionetas SA. Porque nada melhor do que passar a mensagem com alguma originalidade e humor, através de um espetáculo com uma marioneta. A iniciativa desta vez dirigiu-se aos alunos da Escola Básica e Integrada de Martim Longo. Esta escola, em particular, teve um papel especial num livro editado pelo ICNF. O conto “A Aventura do Lince Leonardo”, escrito por Ana Xavier, uma técnica superior do instituto, tem ilustrações feitas pelos próprios alunos.
Numa primeira apresentação, João Alves, do ICNF, deixa algumas ideias às crianças. "Este boneco-lince vai passar uma mensagem muito importante que vocês vão levar para casa, para os vossos pais, os vossos avós", diz o coordenador do Plano de Acção para a Conservação do Lince Ibérico. "Os linces não vos fazem mal, não tenham medo deles, embora seja um gato grande que impõe respeito", acrescenta.
Jeanine Trèvidic, da associação Picada Cultural, dá voz à marioneta e foi ela também que construiu o texto em forma de carta. "Chama-se mesmo carta do lince ibérico às populações e tinha por objetivo fazer essa aproximação e dizer 'eu não sou mau, eu não vos ataco, às vezes vou aos vossos galinheiros porque tenho fome'".
Para indemnizar pessoas que se sintam lesadas pelos ataques dos linces aos seus galinheiros, o ICNF prepara uma norma que prevê indemnizações, à semelhança do que já existe para o lobo. "Está já no Conselho Diretivo do ICNF uma proposta de normativo", salienta.
Nesta atividade na escola, o peludo lince é manipulado por José Gil, da S. A. Marionetas, um grupo de Alcobaça que já se tem deslocado a outras aldeias para fazer este espetáculo, dirigido sobretudo a pessoas mais velhas. A reação, perante o boneco e aquilo que ele diz, é sempre surpreendente. "Em determinada altura, sentimos que eles já não sabiam o que era a realidade e a fantasia", diz a sorrir. "Quando a carta fala nas pessoas que matam os animais, eles ripostavam 'eu nunca os matei, até lhes dava sempre comida'", afirma a rir.
João Alves explica às crianças a história mais recente desta espécie em Portugal, quando começou a ser criado em cativeiro visto estar em perigo de extinção e quando iniciou a sua reintrodução na natureza. Hoje, em território nacional já serão 300, números dos censos do ano passado. E já há 300 a 400 fêmeas reprodutoras em toda a Península Ibérica. Curiosamente, Alcoutim foi um concelho onde o ICNF não libertou linces, os animais escolheram deslocar-se para aquele território. Em toda a península estima-se que o lince ibérico atinja uma situação estável entre os anos de 2035-2040.
A curiosidade das crianças é muita. Querem saber como se chama a marioneta, se a coleira com o chip que colocam aos animais em cativeiro para os seguir quando são libertados não os magoa ou como conseguem os técnicos seguir os linces na natureza. João Alves tenta responder da forma mais simples possível para que todos percebam.
Aqui, em Martim Longo, também se nota o despovoamento do interior. Nesta escola só existe uma turma por cada ano, mas são crianças e jovens que estão habituados a lidar com os contratempos de quem vive no campo. Por isso, é preciso que a marioneta continue a passar a mensagem. "Somos poucos e estamos em risco de desaparecer. Eu não quero desaparecer, eu quero viver", diz a marioneta.
A Benedita conta que a mãe já viu um lince ibérico que se atravessou na estrada. “Ela teve de travar”, diz a menina de seis anos. O Simão, um aluno de 11 anos, conta que já participou na libertação na natureza de um lince que estava em cativeiro. “Ele não queria ir embora, queria estar ao pé de nós e tivemos de o enxotar.” Garante que não teve medo. “Eles não atacam os humanos, não fazem mal a ninguém, só querem estar no seu habitat e descansado”, assegura.
No final todos queriam fazer festas à Urânia, a fêmea lince-marioneta, que está a ser uma verdadeira embaixadora da espécie.