"Sou filha do mar, não quero sair daqui." Pescadores recusam abandonar praia de Faro
Câmara de Faro vai construir 49 fogos para alojar moradores da praia de Faro, mas muitos querem permanecer no local.
Corpo do artigo
O primeiro-ministro lançou na semana passada a primeira pedra de 49 fogos que serão construídos na freguesia de Montenegro, no concelho de Faro, e irão alojar famílias que moram na praia de Faro. Mas para muitos dos que ali residem, pescadores ou os seus descendentes, esta situação não é pacífica. Embora as habitações só estejam concluídas dentro de dois anos, entre os moradores o assunto já é tema de debate e alguma crispação.
Ilídio foi pescador toda a vida. Hoje está reformado. É dos poucos que assume não se importar de deixar a praia de Faro. A sua casa situa-se na zona nascente da praia, já depois de ter terminado a estrada. É possível aceder até lá através de um passadiço de madeira, onde só passam peões, bicicletas ou motoretas.
TSF\audio\2023\03\noticias\09\09mar_maria_a_casaca_moradores_praia_de_faro
À porta de casa o antigo homem do mar conta que os serviços da câmara municipal já o contactaram. "Vieram fazer o levantamento dos dados das pessoas", esclarece. "Concordo em sair daqui, pois se ainda a casa tivesse condições...", lamenta. Mora ali há 60 anos, "é uma vida". Ilídio queixa-se que quando a Sociedade Polis da Ria Formosa derrubou casas ao lado, segundas habitações, as máquinas provocaram rachas na sua moradia, já degradada, e entra água em diversos locais da casa.
É na zona poente da praia de Faro que se concentram mais moradores. Há casas de um lado e de outro do passadiço de madeira. Alguns habitantes vivem da pesca, mas outros já pertencem a segundas e terceiras gerações de famílias de pescadores, que foram permanecendo por ali. Alguns não veem com bons olhos a possibilidade de sair de um local onde viveram toda a vida. "Não estou muito contente, porque nasci e gostava de morrer aqui na praia de Faro", afirma José Joaquim. É pescador reformado e garante estar ali há 62 anos. Adianta que, para os filhos, que moram ali mas já não vivem da pesca, "talvez seja bom" residir nas novas casas que estarão concluídas daqui por dois anos.
No mesmo corredor de casas, mais à frente, vive Paula, mariscadora. Tem um viveiro de ostras e ameijoas na ria, mesmo à frente da sua habitação. Não quer pensar em viver noutro lado. "Eu já tenho 63 anos, nasci aqui na praia, sou filha do mar, o que é que eu vou fazer?", questiona. Paula considera impraticável deslocar-se para a freguesia do Montenegro, pois não tem transporte, nem sabe conduzir. "Vou ficar assim?", pergunta, fazendo o gesto de cruzar os braços. Paula não quer esse fim para a sua vida. Na casa ao lado, a cunhada, também de nome Paula e viúva de pescador, pretende sair assim que lhe atribuírem casa." Só o facto de poder sair daqui e ter tudo à mão, é um desafogo", considera.
No passadiço de madeira encontramos Fernando Cabeleira, 71 anos. É outro dos moradores que não pretende sair. Lembra os tempos em que naquela zona da praia de Faro não havia água nem luz.
"Quem pôs água e luz aqui foi a tropa", depois da revolução. "Estão a fazer o 25 de Abril andar para trás, é o que eles querem", sentencia.
Câmara de Faro diz que casas poderão albergar metade dos agregados familiares
A câmara de Faro está a iniciar o levantamento dos agregados familiares que residem na praia de Faro. "São cerca de 90 agregados familiares e o que estamos a fazer é um novo recenseamento", informa o presidente da Câmara.
Rogério Bacalhau lembra que o último levantamento foi realizado pela Sociedade Polis Ria Formosa há alguns anos e que "alguns velhotes já morreram e outros nasceram" no local. As casas serão distribuídas em regime de arrendamento apoiado pela câmara municipal, no entanto, o autarca acrescenta que elas não poderão acomodar todos. "Estamos a fazer aqueles 49 fogos que darão para cerca de metade dos agregados que lá estão", pormenoriza.
TSF\audio\2023\03\noticias\09\09mar_rogerio_bacalhau_som_praia_de_faro
O autarca garante que ninguém será obrigado a sair da praia de Faro e que, quando terminar o recenseamento, os serviços da câmara falarão com todos os moradores para perceber quais os que pretendem sair e os que ficarão ainda a residir na praia de Faro.
A obra de construção do complexo habitacional de 49 fogos, construída com dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), foi adjudicada no início de fevereiro com um prazo de execução de dois anos e um custo previsto de cinco milhões de euros.