"Super-lotado." Cada vez mais pessoas em situação de sem-abrigo na Gare do Oriente
As associações de apoio aos sem-abrigo e a Infraestruturas de Portugal notam um "número muito maior" de pessoas a dormir na Gare do Oriente. Reportagem TSF na noite dos que não têm tecto.
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Luísa é a única mulher na fila que se forma junto à carrinha do CASA, Centro de Apoio aos Sem-Abrigo, que chega à Gare do Oriente, perto das 10 da noite. Traz um grande saco de plástico, no qual guarda a refeição distribuída pelo CASA: um rissol, massa em espiral misturada com um ingrediente que muitas vezes, só identifica quando está a comer. Há cerca de dois anos que o ritual se repete todas as noites: Luísa espera pela equipa de apoio aos sem-abrigo e depois do jantar, dorme na Gare do Oriente. Nos últimos meses, tem notado um acréscimo de pessoas a pernoitar no espaço que dá acesso ao Metropolitano de Lisboa. "Na minha pedra, que é comprida, estamos sete pessoas", descreve, incomodada pelo grupo de estrangeiros que tem passado as noites a tossir. "Está super-lotado lá em baixo" e na maioria das noites, há "conflitos, agressões ou discussões, à tareia, ao murro e ao soco e uma pessoa pode levar por tabela". Ainda assim, Luísa mudou-se para a Gare do Oriente, por ser próximo do local onde vivia e pelo acesso aos transportes.
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"Não sou uma sem-abrigo típica", faz questão de frisar. Luísa morava com os pais em Moscavide, mas após a morte de ambos, "o senhorio não quis alugar". Ficou "sem casa e sem família", ainda dormiu no aeroporto de Lisboa, mas passava as noites sentada. Na Gare do Oriente, consegue deitar-se na pedra branca. "Tenho uma espécie de tapete, cobertores fininhos", também guarda "bagagem" e, por isso, usa "a casa-de-banho dos deficientes" para se lavar. Aqui, "não temos balneários" e com medo que lhe roubem as malas, a comida e os cobertores, evita deslocar-se até ao Beato, onde ficam os balneários mais próximos.
Com 66 anos, Luísa tem casa no Norte, embora sem condições de habitabilidade. Recebe um subsídio e tem esperança em arranjar um quarto para sair da rua. Contudo, o perfil da pessoa sem-abrigo está a mudar, com uma "tendência atípica", refere Luegi Morgado, voluntária da equipa do CASA. "Noto que há mais pessoas, às vezes até famílias, não são só pessoas solitárias", há "muitas pessoas (de plataformas como as) da Ubereats, da Glovo, que trabalham. Utilizam até os banheiros públicos para fazer a sua higiene, para trabalhar, mas depois à noite, não têm um sítio onde ficar".
Luegi começou a notar um "número muito maior" de pessoas sem-abrigo na Gare do Oriente, "há cerca de dois, três meses". Nos primeiros dias, até faltavam refeições, o que levou o CASA a reforçar o número de refeições e a alterar a rota da Gare do Oriente. Nesta altura, "são cerca de 125 refeições para a volta do Oriente", adianta Daniela Costa, outra voluntária do CASA. "Há muitas pessoas novas na rua", entre elas muitos imigrantes, o que obrigou também a ajustes alimentares. Por questões religiosas e culturais, muitos estrangeiros não comem porco e por isso, "têm aumentado as refeições vegetarianas".
Em Portugal há cerca de um mês e meio, Omar chegou da Argélia e está à espera da legalização. Ao lado, tem outro imigrante de Marrocos, mas só Omar aceita falar. Em francês, conta que veio sozinho e espera voltar a ver a família. "Somos sem-abrigo, estamos sem trabalho, sem dinheiro". Dormem todos os dias na Gare do Oriente.
Filipe Morgado, outro voluntário do CASA, destaca a "multiplicidade de proveniências" dos novos sem-abrigo. "Normalmente são homens", mas há de tudo: estrangeiros e "portugueses que trabalham, (outros) que não trabalham. Espero que o calor do metro ajude um bocadinho". O frio e a segurança serão as principais dificuldades de quem passa a noite na Gare do Oriente. Luegi Morgado indica que nas últimas semanas, aumentaram os pedidos de "mantas, casacos, meias". Quanto à (in)segurança, recorda o caso de uma mulher grávida, "que tinha ficado sem emprego, sem apoios, sem família, sem raízes em Portugal", que procurava "um lugar seguro" e a quem o CASA tentou encontrar um abrigo.
Luegi realça que entre os novos sem-abrigo, existem "muitas pessoas que têm rendimentos", mas "no final do mês, não conseguem pagar um quarto. Ou vivem em carros ou vivem em tendas, porque não têm dinheiro para pagar uma renda. Isso é o que me choca mais. Não faz sentido que alguém faça tudo aquilo que poderia fazer e no final, não tem sequer um direito básico, o da habitação".
Contactada pela TSF, a Infraestruturas de Portugal (IP), responsável pela gestão da Gare do Oriente, confirma que "tem verificado um aumento do número de pessoas que têm pernoitado na Gare do Oriente. Trata-se de uma situação que merece toda a preocupação da IP e apesar de não estar ao seu alcance qualquer intervenção direta, a empresa tem mantido contactos regulares com as entidades responsáveis para que possam encontrar soluções para esta questão que atinge a nossa sociedade".
A autora não escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico
