"Talvez de 50%." Afinal, corte de água para agricultores no Algarve será menos drástico
O presidente da Associação dos Beneficiários do Plano de Rega do Sotavento do Algarve revela no Fórum TSF que o corte deve ficar nos 50%.
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O presidente da Associação dos Beneficiários do Plano de Rega do Sotavento do Algarve garante que as reuniões dos agricultores com a ministra da Agricultura e com a Agência Portuguesa do Ambiente correram bem e, por isso, houve um passo atrás. O corte no abastecimento de água para a agricultura na região não deve ir além dos 50%.
"A redução dos 70% anunciados para aqui não vão ser. Vão ser talvez cerca de 50, porque houve alguma flexibilidade nas decisões que foram anunciadas, há alguns aquíferos que se podem utilizar e há algumas reduções que nós vamos fazer no aumento da eficiência dos regadios. O regadio agrícola perde pouquíssima água. Eu sou responsável por uma área de oito mil hectares de regadio, temos perdas de 1% ou 2%. As câmaras municipais perdem 30%, o consumidor de água final no Algarve, o cidadão que tem uma torneira lá em casa, paga água 30% mais cara porque 30% que entra nas redes municipais perde-se tratada com um custo enorme e é paga por cada um dos cidadãos. Deixa-nos preocupados, deixa-nos naturalmente com uma aflição, mas gerir a 50% é diferente do que gerir a 70%”, revela na TSF Macário Correia.
Já o presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve, António Pina, considera que os responsáveis pela gestão da água agiram tarde tendo em conta a seca histórica que se vive na região. A poucas horas de se reunir a Comissão Permanente da Seca, que junta vários ministérios, o também autarca da Câmara de Olhão fala de uma situação muito preocupante e defende que já se devia ter agido.
"A abordagem das entidades que têm a competência e obrigação de gerir o sistema da água foi sempre de que estávamos afinal num aumento do ciclo de seca. Hoje a convicção é que estamos num novo normal e se tivemos durante 20 anos um sistema que foi suficientemente robusto com os dois grandes grupos - a Sotavento e Barlavento de barragens - para o sistema que com estava previsto para três anos de falta de água ou três anos de seca. Hoje já vamos num ciclo de oito anos e já não há convicção de que esse ciclo vai terminar. Há é a convicção hoje de que isto é um novo normal. É o colapso daquilo que é o sistema que temos hoje. A questão das barragens é manifestamente insuficiente. Temos que ter outras fontes de água", defende António Pina.
Entre as medidas que estão previstas para enfrentar a falta de água no Algarve estão o corte de 70% no abastecimento para a agricultura e 15% no consumo urbano. António Pina esclareceu que a lei obriga a esta distribuição.
"A lei portuguesa, à semelhança de muitos outros países na Europa, define que numa situação de crise há que proteger o circuito urbano da água e aquilo que foi ponderado foi que na agricultura também são seres vivos e temos que, ainda assim, garantir a sobrevivência destes seres vivos, das plantas. E foi esse o cálculo, porque a outra opção seria para preservar ainda mais no circuito urbano e ser zero para a agricultura. Hoje também é preciso perceber que estamos a falar de 70% apenas dos agricultores que estão ligados ao perímetro de rega, estamos a falar, se calhar, num preço de redução no cômputo geral do consumo de água para a agricultura na região", explica o presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve.
Para o secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Luís Mira, também ouvido no Fórum TSF, é evidente que a agricultura está a ser demasiado sacrificada.
"Uma redução de 70%, que nós esperamos que não venha a ser essa a realidade, não é aceitável. Não é a reduzir 70% das receitas dos agricultores que vivem disso, esse é o seu rendimento. É acabar com o rendimento porque com 30% da água as laranjeiras não têm lá um botão para dizer: ‘Olhe, agora não produza laranjas, isto é só para a sua manutenção. Vão dar umas laranjas que parecem uns berlindes porque não têm água ou estão murchas. Portanto o rendimento é zero e é disto que estamos a falar, é pedir um setor para deixar de receber durante dois anos no seu rendimento", afirma Luís Mira.
O responsável da CAP identifica soluções para enfrentar a seca.
"As soluções passam por uma utilização de poças e de captações que estavam desativadas e que são das Águas do Algarve e das câmaras, que têm de se ativar para que seja captada dos aquíferos essa água. Há aquíferos no Algarve até nos perímetros de rega. Como se regula mais as culturas, essa água infiltra-se e melhorou, recuperaram os aquíferos. É agora altura para se utilizarem a níveis que existiam. É necessário tomar decisões que sejam exequíveis até ao verão. Há decisões para levar mais água, há muitas soluções. Há a solução de trazer água da Choupana, há soluções de navios dessalinizadores, mas há soluções que têm que ser exequíveis até ao verão", alerta o secretário-geral da CAP.
Também no Fórum TSF, Joaquim Poças Martins, antigo secretário de Estado do Ambiente e professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, defende que há medidas que têm de ser tomadas. Já não se pode esperar mais.
"Este ano já é possível usar águas residuais tratadas, por exemplo, em alguns campos de golfe e em algumas hortas perto das cidades. Nós estamos a perder 15 milhões de metros cúbicos nas redes municipais, podendo recuperar cinco ou dez já este ano, é possível. Podemos poupar facilmente dez milhões nas casas e nos hotéis. As pessoas percebem, os turistas percebem. Podemos regar os campos de golfe com menos água, podemos regar bem os greens, mas podemos regar menos bem os mais extensos. Os turistas percebem e aceitam. Podemos encher as piscinas com água do mar, assim sobra mais água para manter as árvores vivas", aconselha Joaquim Poças Martins.
No entanto, Joaquim Poças Martins tem reservas em relação à possibilidade de se avançar para transferências de água de Norte para Sul.
"Para transferir água do Alqueva para o Algarve tem que se regar menos no Alqueva em vez de regar no Algarve. Tem custos. A água chega talvez ao Algarve, vinda do Alqueva, a talvez dez ou 20 cêntimos o metro cúbico, quando neste momento a água no Algarve está em grande parte a ser gratuita, as pessoas não estão a pagar pela água. Concretamente para produzir produtos de baixo valor acrescentado, 20 cêntimos ou 30, 50 ou 60 da dessalinização não são compatíveis. Portanto, é possível regar com água dessalinizada, isso já se faz. Há culturas que podem ser regadas, no fundo, com lucro com água dessalinizada, mas são culturas que se vendem a vários euros por quilo e não alguns cêntimos por quilo. Buscar água ao Norte é possível, mas no Douro não há água a mais. Em 2022 Espanha não conseguiu mandar para Portugal a água que era devida do Douro. Então vamos buscar água ao Douro, ao Douro internacional, onde não há água? Para isso tinha que se construir Foz Côa, mas isso já foi discutido antes. Vamos fazer outra vez Foz Côa? Pior do que isso, essa água, para chegar ao Algarve, custaria na ordem de dezenas de milhões de euros. Chegaria ao Algarve a 20, 30 ou 40 cêntimos o metro cúbico, mas estamos sempre a falar de um valor muito, muito, muito superior àquilo que os agricultores no Algarve estão e podem vir a pagar pela água para produzir aquilo que estão a produzir. Mais: isso não estaria pronto antes de dez ou 15 anos e os problemas que vamos ter são agora. Daqui a dez ou 15 anos a dessalinização é mais barata, a reutilização é mais barata. Talvez não seja essa a melhor solução", acrescenta o antigo secretário de Estado do Ambiente.
