Em declarações à TSF, Miguel Miranda, antigo presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, reconhece que não é normal cair tanta chuva
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É um facto: este inverno a chuva tem caído como há muito não acontecia. Portugal tem sido afetado, nos últimos tempos, por várias tempestades, que têm trazido muita água a todo o território. Por esta altura, grande parte das barragens já está acima dos 80% da capacidade, incluindo no Alentejo e no Algarve, as zonas mais afetadas pela falta de água nos anos mais recentes.
Ouvido pela TSF, o antigo presidente do IPMA, Miguel Miranda, reconhece que, "em termos puramente estatísticos, [esta] é uma situação que tem alguma raridade". "Portugal, nas últimas décadas, tem perdido alguma precipitação, em particular no sul. E o que estamos a observar agora é que mesmo no sul, aliás, talvez mais no sul, em particular no Algarve, e numa parte do Alentejo, a precipitação tem sido claramente superior aos últimos anos", afirma.
No entanto, o professor catedrático jubilado da Universidade de Lisboa coloca algumas dúvidas sobre uma diminuição da precipitação na zona do Mediterrâneo. "Esta questão da seca e da precipitação na bacia do Mediterrâneo é um assunto, ainda hoje, polémico. Os modelos apontavam para uma expetativa de perdermos precipitação na bacia do Mediterrâneo, ao contrário do global da Terra, que está a ganhar precipitação. A verdade é que existe um artigo publicado há poucos dias na revista Nature, que propõe que, observando 150 anos de informação meteorológica em estações de superfície, não se verifica um sinal claro de redução de precipitação. O que há é uma grande variabilidade ao longo do tempo", adianta Miguel Miranda.
Por isso, o antigo presidente do IPMA assegura que temos de nos habituar a viver com estas variações de precipitação. "Acreditando no artigo da revista Nature, a variabilidade também existiu no passado. Nós, provavelmente, não éramos tão sensíveis a ela, ou então, socialmente, achávamos que a existência de quebras brutais na produção alimentar, por exemplo, não eram tão dramáticas como hoje. Agora, como é que nós nos vamos habituar a isso? Eu diria, primeiro, ter bom senso e perceber que temos de ter reservatórios com suficiente capacidade para armazenar água doce. Segundo, não entrar em situações de grande nervoso social, na perspetiva de que a água vai acabar ou o mundo vai acabar. Agora, chuva intensa em meios urbanos causas cheias. A chuva em falta significa que é cada vez mais difícil fazermos agricultura que não tenha acesso à rega", destaca o professor catedrático jubilado da Universidade de Lisboa.
E de que forma seria possível reter a água descarregada pelas barragens, depois de atingidas as capacidades máximas? Miguel Miranda lembra que, "neste momento, se houvesse uma interligação já feita entre o Alqueva e o Algarve, nós teríamos a capacidade de colocar, mesmo as barragens do Algarve que estão a meia altura, praticamente cobertas, o que significaria uma grande felicidade para a produção agrícola e para todas as atividades económicas que se desenvolvem no Algarve".
Já sobre o que se pode esperar para o verão, Miguel Miranda não arrisca uma previsão. "Se há previsão que funciona muito mal, é a previsão sazonal. Portanto, o que vai ser o verão é, feliz ou infelizmente, uma incógnita. Eu diria que, do ponto de vista meramente astronómico, as estações existem e, portanto, nós vamos passar seguramente da primavera para o verão e vamos ter um verão, espero eu, que seja satisfatório para todos", reconhece o ex-presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera que, no entanto, sublinha que, "apesar de muitas populações urbanas estarem bastante preocupadas com o nível de precipitação, porque dificulta a sua vida diária, para a maioria das atividades económicas, esta precipitação é uma bênção".
