Tem 88 anos e 4 filhos, mas para fugir da solidão passa os dias numa farmácia
Maria Helena Pinto passa os dias na farmácia Vitória, em Campanhã, a fazer croché. Confessa que aqui é bem tratada, ao contrário do que acontece em casa. Diz que vive "como Deus quer".
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Maria Helena Pinto tem 88 anos, trabalhou até aos 79. Veste fato de treino e um casaco rosa, na mão tem um saco de plástico azul onde guarda a linha e as agulhas de croché. Há quase três anos que, de segunda a sábado, das 9 da manhã às 8 da noite, passa os dias na farmácia Vitória, em Campanhã, no Porto.
"Gosto de estar aqui, prefiro estar aqui do que em casa. Quando chega ao sábado, fecha à 1 da tarde e ao domingo... é a maior tristeza que tenho na vida. Estou habituada a estar aqui, tratam-me bem, são muito meus amigos. Sinto-me melhor aqui do que em casa. Tenho um filho que vive comigo, uma nora, dois netos, mas é como se não tivesse ninguém. Sinto-me melhor aqui."
Quem entra na farmácia já não estranha a presença de Maria Helena, sentada numa cadeira, junto a uma janela aquecida pela luz do sol. Diz que vem para aqui porque quer. "Em casa vou para o meu quarto, fecho a porta, faço renda ou deito-me a dormir. Não faço mais nada".
Tem uma reforma de 280 euros, gasta em média 30 euros por mês em medicação. "Aqui há pessoas que me adoram, vêm ter comigo e dão-me dinheiro, mas eu não peço! Quando chega à hora do almoço, se tiver dinheiro vou comer, senão fico aqui. Às 2 horas volto e estou aqui até às 20h".
Maria Helena Pinto faz questão de mostrar os trabalhos de renda. "Aprendi a fazer croché no colégio de freiras, queria que fosse para freira mas eu não tinha vocação. Casei com 32 anos, tive quatro filhos, mas é como se não tivesse ninguém. Só uma filha é que me ajuda, mas também vive com muitas dificuldades e faz o que pode".
Rui Romero é o diretor técnico da Farmácia Vitória, diz que faz o que pode para ajudar. "A solidão é terrível, no fundo trata-se de uma amizade. Nem sempre é bem visto por terceiros, mas custa-me muito romper este elo".
A presença diária de Maria Helena na farmácia não é bem vista por todos os clientes, mas para Rui Romero as farmácias também têm um papel humano e social. "Isto é a família dela, a companhia dela. O que posso fazer? Há regras de sigilo que não podem ser quebradas, os utentes nem sempre gostam desta presença. No início alguns mudavam o tom de voz e falavam entredentes. Não posso fazer mais do que faço".
Maria Helena Pinto conta que trabalhou a vida toda. "Trabalhei como empregada de limpezas, estou viúva há 49 anos. Os meus pais morreram e trabalhei até aos 79 anos para ter uma reforma de 280 euros. Não me deixaram trabalhar mais. Fui vivendo como Deus quer".
Campanhã é uma das maiores freguesias da cidade do Porto e uma das mais pobres. O farmacêutico Rui Romero lamenta que este seja o espelho da sociedade e conta que ao fim de semana vai para casa a pensar na D. Maria Helena. "É uma senhora muito carente, que precisa de atenção e de falar. Às vezes ajudo-a a almoçar. Já o meu avô fez isso há muitos anos na guerra e cabe-me fazer o mesmo. Pelo menos para recordar o meu avô".
Sentada na cadeira, com a linha rosa e a agulha na mão, Maria Helena Pinto diz que não precisa de mais ninguém. "Só preciso de Deus, precisamos todos na verdade".