"Tem de haver equilíbrio para todos fiquem bem: o Tejo e os vizinhos do Tejo"
No dia em que foram divulgados resultados sobre a poluição no Tejo, os deputados do PCP navegaram nas águas do rio para perceber de perto alguns dos problemas com que convivem as populações.
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"O ano passado não pescámos, há dois anos pescámos uma vez ou duas. Temos vindo a reduzir e agora não pescamos", conta, em conversa com o líder parlamentar do PCP - e a bordo de uma das embarcações que estão atracadas no Cais de Vila Velha de Ródão -, Fernando Inácio, proprietário de um restaurante na localidade piscatória de Arneiro, na freguesia de Santana.
Antes, o restaurante de Fernando, especializado em pratos de peixe, abastecia-se das espécies que vinham do Tejo, mas, hoje, com a maior poluição, o dia-a-dia é bem diferente: "Os clientes telefonam e perguntam: 'então, ainda tem aquela sopa de peixe do Tejo?', e eu digo que sim, mas que o peixe já não vem do Tejo há uns anos. Mas já cá pescámos muito e era bom".
Alburno, lúcio perca, carpa e barbo eram algumas das espécies que chegavam ao restaurante de Fernando Inácio, numa zona em que também o lagostim servia para compor alguns orçamentos familiares. "Saíam daqui toneladas por semana, agora é aos 200 ou 300 quilos e e é por todos, e só para norte, entre Vila Velha de Ródão e a Barragem de Cedilho. Para baixo nem pensar", prossegue Fernando.
Atento à conversa, João Oliveira, líder parlamentar do PCP, que hoje e amanhã realiza as jornadas parlamentares no distrito de Portalegre, pergunta pela fiscalização. Na resposta, o proprietário do restaurante de peixe, adianta que a fiscalização "sempre passou despercebida", mas que os locais sabem que há descargas. "Ou eram menos [descargas] ou havia mais água que equilibrava o sistema", diz.
Por estes dias, numa zona afetada pela poluição do Rio Tejo, mas que depende, e muito, das empresas, o "equilíbrio" é uma palavra chave, porque, como nos contam os habitantes, se as fábricas são responsáveis por muitas das descargas, também servem de motor e de empregador de toda uma região.
"Em Vila Velha de Ródão, se não fossem estas fábricas não havia aqui ninguém, mas tem de haver equilíbrio para que todos fiquem bem: o Tejo, os vizinhos do Tejo e os trabalhadores das fábricas. Temos de conseguir normalizar as coisas. Há seis ou sete anos não se verificava isto", sublinha Fernando Inácio, um dos porta-vozes dos lamentos.
Também Patrícia Carmona, que foi presidente da Junta de Freguesia de Santana, lamenta que hoje seja difícil viver do que se pesca no Tejo: "No Arneiro, por exemplo, temos seis ou sete pescadores que vivem do lagostim, mas este ano já nem o lagostim resiste à poluição".
A bordo da embarcação, João Oliveira, líder parlamentar do PCP, pede mais fiscalização e mais meios para quem fiscaliza.
"Esperamos que haja um investimento nos recursos e nos meios de quem tem de fiscalizar", assinala, acrescentando que "se houvesse serviços públicos a intervir no âmbito das suas competências e responsabilidades, com os meios humanos adequados e os equipamentos necessários, se o Estado não fosse desmantelado e remetido para um papel secundário, muitos destes problemas não tinham acontecido".
Esta segunda feira, e cerca de duas semanas depois das polémicas descargas que afetaram o Rio Tejo na zona de Abrantes, os sinais de poluição são poucos ou nenhuns à vista desarmada. Mas, diz quem sabe e conhece o local, que nem sempre o que parece é.
Ao lado da embarcação em que seguimos viagem, um pescador protesta e diz que é preciso visitar o local no exato momento das descargas. Rui Sequeira, secretário na Câmara Municipal de Nisa, concorda e considera estranho que, hoje, seja apenas o cheiro a denunciar os poluentes.
"Ele tem razão, quando isto estava contaminado como estava é que devíamos aqui vir. Ou eles reduziram as descargas ou não sei. Se calhar sabiam que aqui vínhamos. Há sempre muita malandrice nisto", atira Rui Sequeira, que lembra "o barbo, a boga e a enguia" que saíam das águas do Tejo.
E agora? "Agora não há nada".