Jorge Bacelar Gouveia acredita que no estado de emergência são poucos os poderes suspensos, algo que, diz, pode dever-se ao "trauma" da ditadura.
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Jorge Bacelar Gouveia, professor catedrático e constitucionalista, defendeu, na TSF, que no atual estado de emergência os poderes deviam ser concentrados num só órgão - Governo ou Presidente da República - e o Parlamento devia continuar a funcionar, mas através da Comissão Permanente, que seria dotada de poderes legislativos.
"Depois do trauma da ditadura de Salazar e Marcelo Caetano, acabámos por aceitar um estado de exceção 'muito soft' porque são poucos os direitos que podem ser suspensos e a organização dos poderes mantém-se inalterada", considera Bacelar Gouveia.
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O constitucionalista lembrou ainda que "em muitos países, quando há uma situação de exceção, verifica-se uma concentração de poderes no primeiro-ministro ou no Presidente da República, conforme os sistemas de Governo".
"Nas atuais circunstâncias não existe qualquer conveniência em ter o Parlamento a funcionar com 230 deputados", defendendo antes "que a comissão permanente, que é um mini-plenário da AR, deve ser dotada de poderes para aprovar leis".
Jorge Bacelar Gouveia defende também que "os deputados devem fazer uma revisão constitucional, depois de ultrapassada a atual crise para tratar de aspetos da justiça, reforma eleitoral e reforma autárquica, entre outros".
Impõe-se fazer uma reflexão "politica, jurídica e filosófica" sobre as normas que eventualmente vão ficar mesmo depois de terminado o estado de emergência, alerta o jurista, dando o exemplo do uso das máscaras, que pode manter-se em espaços fechados, como supermercados e transportes públicos. É uma questão delicada porque "obrigar alguém a usar uma mascara é limitar uma liberdade individual e isso pode prolongar-se por muitos meses".
Jorge Bacelar Gouveia acredita que, em Portugal, ao contrário do que aconteceu ao longo da história em muitos países, não existe uma tentação dos políticos quererem manter o reforço de poderes que conquistaram com a declaração do estado de emergência.
Há mais de 20 anos, o constitucionalista defendeu a sua tese de doutoramento em direito público tendo Marcelo Rebelo de Sousa como um dos arguentes. A tese era sobre o estado de exceção no direito constitucional e, hoje, admite que "não podia imaginar que ao fim de tanto tempo o seu trabalho pudesse ter aplicação prática".
O constitucionalista defende que, "por maiores que sejam as ameaças, há direitos que não podemos deixar de ter, embora por vezes seja preciso deixar de exercer alguns, para não os perder todos", lembrando o provérbio "quem tudo quer, tudo perde".